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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Adoptar uma causa por amor. E amá-la como uma filha biológica alguns anos depois.

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Quando a conheci nunca tinha ouvido falar de Spina Bífida.

 

Ela foi-me apresentando, um a um, cada amigo com a patologia. Primeiro o Luis, depois o Filipe, a Rita, o Sanona, a Xana, a Sandra e por aí fora.  Não percebi, nem de longe nem de perto, que aquele era o seu clã, logo ela, que nunca teve perfil para pertencer a nenhum clã, tão única e diferente, tão diferenciada e especial. 

 

Apaixonei-me por ela ao primeiro olhar, pela sua confiança, o seu sentido de humor, o seu destemor.  Às vezes, já estávamos demasiado apaixonados, notava-a preocupada, circunspecta, como se algo a consumisse. Logo ela, que agarrava pelos cornos qualquer problema, que sabia a forma exacta de resolver qualquer situação, tão única e diferente, tão diferenciada e especial. 

 

O andar nunca a denunciou, era trapalhona e despachada, intrépida e desconcertada, fazia parte do seu charme. Nada no seu corpo se assemelhava com as canadianas da Rita ou a cadeira de rodas da Catarina, não havia pistas, só aqueles amigos, demasiado cúmplices e diferentes, diferenciados e especiais. Como ela.

 

Um dia disse-me "Tenho que te contar uma coisa!" e ficou calada, preocupada, logo ela que nunca ficava sem palavras, que nunca se deixava calar pelas preocupações. E depois começou a fazer outra coisa qualquer e eu achei que se tinha esquecido de me contar, que deveria ser uma confidência sem importância, um detalhe tonto. Deveria ter desconfiado, nada nela é tonto nem insignificante, logo nela que é tão única e diferente, tão diferenciada e especial.  

 

 

Um dia suspirou alto e eu ouvi e parei o que estava a fazer e olhei-a com atenção. chamou-me e disse-me: "Sabes o Luis, o Filipe, a Rita, o Sanona, a Xana e a Sandra?" Sei. "Tenho Spina Bífida como eles." E ficou a olhar para mim, muito séria, logo ela que nunca fica séria, sempre a rir de uma forma só dela, com um carisma que não se repete em mais ninguém, logo ela tão única e diferente, tão diferenciada e especial. 

 

E eu suspirei de alívio como se ela me dissesse que o sol era amarelo e o que me importasse realmente era sentir o calor na minha pele, a vitamina nos meus poros, a fotossíntese do meu corpo. O sol era amarelo, tanto me fazia, que ela tivesse Spina Bífida, uma incapacidade, um atestado multi-usos, especificidades orgânicas e diferenças biológicas, que fosse deficiente, era-me igual, amava-a tanto, ainda mais, talvez não porque mais era impossível, era ela o meu amor para sempre, ela sendo ela com tudo o que fazia parte dela, tão única e diferente, diferenciada e especial. 

 

E depois da Spina Bífida fazer parte da minha vida, por osmose, nem foi por simpatia mas por uma aborrecida naturalidade começámos a fazer coisas juntos. Fundámos de forma voluntária um Gabinete de Apoio Psicossocial, dinamizámos grupos de auto-ajuda, demos formação parental, fomos monitores anos a fio em colónias de férias que nos roubavam metade das férias, desenhámos e implementámos projectos, participámos em conferências e congressos, levámos a cabo workshops e quando dei por mim, a causa que eu tinha adoptado não era filha adoptiva mas uma filha biológica, parte de mim. 

 

Um dia eles, o Luis, o Filipe, a Rita e ela também, a já minha mulher Liliana perguntaram-se se não queria presidir à ASBIHP- a Associação que foi palco de tantos anos de voluntariado, de tantas amizades firmadas e cimentadas, de tantas histórias no plural. Perguntaram-me em jeito de desafio e eu fiquei honrado por, 16 anos depois de ter pisado a Associação pela primeira vez, sem saber o que era a Spina Bífida, sem sonhar com o que me esperava, eles quererem que fosse eu a representá-los, a conduzir o barco, predispondo-se todos a remar comigo ou eu com eles, antes assim. 

 

Desde Janeiro de 2015 que sou Presidente da Direcção da ASBIHP, eu, um rapaz dos Açores que nem pessoas com deficiência tinha na ilha. PResidir a ASBIHP é antes de ser uma honra uma enorme responsabilidade, a responsabilidade de dignificar cada um deles, o Luis, o Filipe, a Rita, o Sanona e todos os outros- dezenas de outros, centenas atrevo-me a dizer- e de defender os seus direitos, lutar pelos seu deveres, mostrar as suas competências e celebrar as suas vitórias individuais e do colectivo onde já me insiro. 

 

Mas, acima de tudo, é uma prova de amor. Porque também amo a Spina Bífida da minha mulher porque ela ajudou a torná-la assim: única e diferente. Diferenciada e terrivelmente especial. 

 

Perfeita com todas as suas imperfeições. 

 

 

Tudo sobre Spina Bífida em www.asbihp.pt 

Facebook da ASBIHP aqui

 

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