Adoptar uma causa por amor. E amá-la como uma filha biológica alguns anos depois.
Quando a conheci nunca tinha ouvido falar de Spina Bífida.
Ela foi-me apresentando, um a um, cada amigo com a patologia. Primeiro o Luis, depois o Filipe, a Rita, o Sanona, a Xana, a Sandra e por aí fora. Não percebi, nem de longe nem de perto, que aquele era o seu clã, logo ela, que nunca teve perfil para pertencer a nenhum clã, tão única e diferente, tão diferenciada e especial.
Apaixonei-me por ela ao primeiro olhar, pela sua confiança, o seu sentido de humor, o seu destemor. Às vezes, já estávamos demasiado apaixonados, notava-a preocupada, circunspecta, como se algo a consumisse. Logo ela, que agarrava pelos cornos qualquer problema, que sabia a forma exacta de resolver qualquer situação, tão única e diferente, tão diferenciada e especial.
O andar nunca a denunciou, era trapalhona e despachada, intrépida e desconcertada, fazia parte do seu charme. Nada no seu corpo se assemelhava com as canadianas da Rita ou a cadeira de rodas da Catarina, não havia pistas, só aqueles amigos, demasiado cúmplices e diferentes, diferenciados e especiais. Como ela.
Um dia disse-me "Tenho que te contar uma coisa!" e ficou calada, preocupada, logo ela que nunca ficava sem palavras, que nunca se deixava calar pelas preocupações. E depois começou a fazer outra coisa qualquer e eu achei que se tinha esquecido de me contar, que deveria ser uma confidência sem importância, um detalhe tonto. Deveria ter desconfiado, nada nela é tonto nem insignificante, logo nela que é tão única e diferente, tão diferenciada e especial.