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"Primeiro foi ao pai, após a ter contrariado, de dedo em riste e ar de drama queen: "Não gosto de ti!".
Passados uns dias, depois de uma situação de frustração, choramingou enquanto me atirava outro "Não gosto de ti".
E nós sorrimos.
Sorrimos com esta vinculação segura que lhe permite ter a confiança de nos dizer que não gosta de nós. Esta segurança de verbalizar isto sem medo, sem temor, com a certeza que o que diz não vai afectar em nada a nossa relação, não vai beliscar minimamente o nosso amor.
E nós respondemos: "Nós gostamos muito de ti, Ana!".
E, às vezes, neste role play, nesta segurança dela dizer que não gosta de nós à custa de uma vinculação segura, de nós respondermos que, mesmo assim, apesar disso, apesar de tudo, independentemente de tudo, a amamos igualzinho, ela vira-nos as costas uns minutos, outras fica só a olhar muito séria para nós e, quase sempre, passado um tempinho vem-nos abraçar, depois de contrariada, de frustrada, muitas vezes resignada de que não cederemos a chantagens, de não reagirmos a palavras de impulso, ela volta, vem, chega-se perto, abraça-nos para fazer as pazes e diz baixinho num inglês improvisado: "I love you".
A Ana diz que "não gosta de nós". E nós sorrimos."
O testemunho é roubado à minha mulher e data de 2016, a Ana com quatro anos acabados de fazer, e serve para poder desenvolver esta fase em que os filhos começam a sentir-se à vontade, confiantes e descansadinhos o suficiente para se atreverem a não gostar de nós. Ou melhor, a dizer que não gostam de nós,o que vem a ser uma coisa diferente.
Muitos dos pais com quem trabalho confidenciam-me, regularmente,o desgosto de ouvirem pela primeira vez esta declaração de desamor. Vem normalmente da boca de pequenos de 4/5 anos que, numa fase altamente egocêntrica e narcísica, e face a situações em que são contrariados e em que não sabem gerir a frustração associada, numa espécie de pequena amistra da "teoria da "frustração-agressão", agridem verbalmente o alvo mais fácil e disponível: os pais.
"Mas então se eu só a pessoa mais importante para ele, como pode dizer que me odeia?" Por isso mesmo, por ser a pessoa mais importante para ele. por ele ter a segurança que dizer que o odeia não vai alterar, em nada, o seu amor por ele, porque o reconhece como inequívoco, estável, forte, seguro, imutável e incondicional. Porque sabe que nada do que possa dizer vai beliscar a vossa relação. É o que em psicologia chamamos de comportamentos de "vinculação segura".
É por essa mesma razão que, quando na vossa presença, os avós costumam sempre queixar-se que "ao pé de ti, ele porta-se sempre pior!". Ou seja, perante os pais as crianças não ficam tensas, não precisam de agradar, de cumprir expectativas, de agradar. Podem, simplesmente, sem tensão nem racionalizações, ser quem são, quem lhes apetece ser, impulsivas e verdadeiras, estar à vontade e sem temores, soltos e verdadeiros.
Claro que, socialmente, e em idades mais avançadas (na adolescência vem muitas vezes o "odeio-te!" mas isso já é tema para outro post) as crianças têm que aprender que esta vinculação segura não pode permitir ou condescender a agressão verbal ao adulto e a empatia tem que ser treinada com reflexões do tipo "como achas que me sinto ao ouvir isso?" ou "achas que mereço essas palavras realmente?".
Mas em idades precoces é deixá-los tentar esticar a corda, despejarem as suas frustrações nestes "Não gosto de ti!" que não são mais que expressões verbais de zanga, de confusão ao lidar com realidades não desejáveis e não ataques pessoais ou ofensas realmente sentidas.
A minha sugestão para os pais? Sorrir e acenar e responder- sempre!- "paciência! Mas olha que já eu gosto imenso de ti. Adoro-te. até! Não gosto desse comportamento e fico triste com as tuas palavras mas gosto de ti na mesma, igualzinho". A vinculação segura alimenta-se deste amor incodicional e eterno.
E esse amor é a base de todo a nossa auto-confiança, capacidade de amar, auto-estima e sensação de bem-estar no presente mas, especialmente, no futuro.
Portanto, é mais que normal (é importante e saudável) que eles, de vez em quanto, não gostem de nós: é sinal de que estamos a fazer tudo certo.