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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

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Paternidade na ótica do utilizador.

Adolescência e a pressão das avaliações e dos rankings

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Iniciamos o percurso escolar aos seis anos e, na hipótese mais curta, terminamo-lo aos 18, sendo que nessa idade 2/3 da nossa vida foram passados enquadrados no contexto escolar. 

 

Passamos, por dia, cerca de oito horas, inclusive os mais pequenos, no espaço-escola não havendo como negar o impacto que a escola tem no dia-a-dia das crianças e dos adolescentes. 

 

Trabalhei durante alguns anos com adolescentes com graves incompatibilidades com a escola e o meu trabalho (no seio da equipa multidisciplinar mais fantástica que integrei, constituída por mim- psicóloga-, uma educadora social, uma pedagoga,uma assistente social e um sociólogo) passava exactamente por tentar compreender a relação dos adolescentes com a escola, com os métodos de ensino, identificar as suas motivações e interesses, adaptar os currículos a uma perspectiva de inteligência prática que era bastante forte na população com quem trabalhávamos e acompanhá-los na sua projecção a curto e médio-prazo.

 

O principal problema na escola, tal como hoje é apresentada aos adolescentes, é que não se apresenta como fonte de aprendizagem efectiva e compensadora, não responde às dúvidas, curiosidades e interesses dos jovens, não faz emergir questões de base que precisam de ser respondidas, não espicaça a curiosidade e a procura de conhecimento por parte dos alunos. A escola tornou-se numa "obrigação" cheia de métricas, rankings e metas, centrada nos números e não nas pessoas, que são os alunos. 

 

Hoje em dia, os conhecimentos são postos à prova desde a mais tenra idade,em contextos de avaliação altamente hostis, com apenas uma caneta em cima da mesa e professores que se vêem na triste incumbência de os policiar, numa espécie de relação tensa entre duas trincheiras, ao invés de se apostar em relações de parceria e confiança, de colaboração e respeito, de descoberta do conhecimento.

 

Os professores andam cansados, a sua classe profissional cada vez menos respeitada por Governos sucessivos que lhes impõem reformas educativas atrás de reformas educativas, sem os ouvirem, sem os auscultarem sem os envolverem, sem os recompensarem. Os professores não conseguem chegar aos alunos, dedicar-lhes tempo para tirar dúvidas individuais, apoiá-los nos seus projectos curriculares, à custa de metas que têm que cumprir, de rankings para os quais têm que contribuir. Os professores não conseguem chegar aos pais, a maioria deles cansada ao final de um dia de trabalho,depois de trânsito, de jantares e banhos e da culpa do pouco tempo que dedicam aos filhos. 

 

Não estará isto tudo pervertido?

 

 

Os adolescentes de hoje são cada vez mais "velhos" no sentido cansado e gasto do termo. A escola não lhes consegue proporcionar o ambiente de curiosidade e vontade de aprender, os professores não lhes conseguem dedicar tempo individual, ajudá-los nas dúvidas e ansiedades,os pais não têm tempo para os acompanhar porque o IC19 e a VCI ocupam-lhes horas que podiam ser dedicadas aos filhos e ouvem mais a Rádio Comercial que a voz dos seus adolescentes, entretanto meio deprimidos e sorumbáticos por todo este stress. 

 

Não me interessam culpas nem responsabilidades. Talvez nem seja dos Governos e das reformas mas de nós todos, dos pais que nâo têm , literalmente tempo, para se irem actualizando e apropriando de todas as políticas educativas que se seguem e dizendo que não aos quadros de mérito dos Eusébiozinhos na escola primaria,de reclamar uma reforma única profunda e efectiva e que os alunos precisam de aprender sobre a vida e o Mundo e não debitar capítulos decorados e frases seguidas decoradas à custa de sublinhados de canetas fluorescentes em livros caros que todos os anos mudam: ou mesmo dos alunos que, cansados e vencidos, deixaram de ter cojones para baixar as calças e mostrar os rabos contra as provas globais no secundário e as propinas no ensino superior.

 

Os adolescentes somatizam. Andam doentes e não "é fita". Aos 15 anos têm que escolher uma área que defina mais ou menos o enquadramento da profissão que irão ter para sempre ou talvez não,os avós a dizerem que no tempo deles é que havia empregos para a vida, os pais da geração desiludida e defraudada que acreditava que ter um curso era sinónimo de uma vida estável para sempre, ter um curso para "se ser alguém", cartões de senhor doutor e secretária com moldura dos miúdos, subsídios de férias para ir a Palma de Maiorca e afinal uma vida de recibos verdes, cursos que nunca serviram para nada, o desânimo contagioso que "hoje em dia ter um curso não é garantia de nada, nas caixas do Pingo Doce quase todas as empregadas têm curso".  

 

E os adolescentes confusos sem perceber para que serve, de facto, estudar: se as aprendizagens não lhes dizem nada, se nunca ninguém aferiu os seus interesses, se as matérias não respondem à sua sede de interesse, se a inovação nos métodos pedagógicos significa apenas usar os mesmos métodos expositivos e chatos de sempre em futuristas quadros interactivos e, no fim de tudo, a escola nem sequer lhes providenciam ferramentas que lhes garantirão uma profissão confortável e estável. 

 

Os adolescentes somatizam. Acusam cefaleias, dor no peito, vontade de vomitar, angústia, palpitações e arritmias cardíacas, cansaço constante, falta de ar e dores de barriga. Sentem-se ansiosos e deprimidos. Começam a pensar no futuro, manifestam preocupações e têm medo que o mesmo seja definido pela nota num exame de matemática. Vêem os distúrbios alimentares,

 

Neste momento tenho três amigos com filhos adolescentes neste estado. As psicólogas da escola são insuficientes e remetem para os médicos de família. Os médicos de família (alguns muitos) minimizam e receitam Valdispert e acham que se tratam de "first world problemas".  Alguns pais- os que financeiramente conseguem comportar- procuram pedopsiquiatras, no limite, e aos adolescentes são ministrados fármacos para os acalmar, alguns precisarão mas outros- tantos- só precisam de respirar fundo e ser ouvidos em casa, na escola, em contexto de terapia, na sociedade. 

 

A minha filha ingressa este ano no primeiro ciclo, no primeiro degrau deste percurso. Preocupo-me desde já,não com o seu futuro, não com a profissão que irá ter (e que não a definirá, seja ela qual for) mas com o fôlego que precisará neste caminho que eu desejaria- tanto!- que fosse de conhecimento real e efectivo e não de matérias decoradas e coladas a cuspo no cérebro para serem despejadas em testes. 

 

Aos meus amigos pais reitero aqui o conselho de sempre: escutem os vossos filhos, desliguem as redes sociais e falem, jantem sempre juntos, auscultem as suas ansiedades, supervisionem e estejam atentos a sinais de perturbações alimentares, falem com as escolas, participem o mais que puderem na vida escolar, reclamem, exijam, peçam ajuda. Não se calem! Sejam parceiros dos professores (nunca rivais),queiram participar na escola mesmo que vos vejam como intrusos, defendam o direito aos vossos filhos a uma escola que não lhes imprima stress, a uma escola que lhes dê "pica", que responda, naturalmente, à necessidade de conhecimento que cada idade comporta. 

 

Nos casos complicados de somatização peçam ajuda a psicólogos e terapeutas em abordagens sistémicas, não assumam a medicação como primeira e miraculosa solução. E não, não pensem que por ser psicóloga estou a puxar a brasa à minha sardinha: só tenho pena dos adolescentes-tantos que vou conhecendo- que vêem a escola como fonte de ansiedade; só tenho pena de pais que se angustiam quando os médicos lhes receitam medicamentos para acalmar os adolescentes e têm que gerir a sonolência e lentificação do pensamento, filhos apáticos e tristes; só tenho pena dos adolescentes que ninguém escuta.

 

A abordagem dos psicólogos privilegia a pessoa, e não a doença nem os sintomas. Os psicólogos tentam compreender os significados dos sintomas e não apenas atenuá-los com químicos, tentam encontrar a relação entre somatizações físicas a problemas emocionais, tentam conhecer a história daquele adolescente, daquela família, e orientam num caminho que não é rápido mas pode ser bastante eficaz de cada adolescente encontrar as suas estratégias de coping.

 

Os vómitos, as palpitações, as dores de cabeça são reais.  A doença muitas vezes é o "tubo de escape" de uma ansiedade crescente que a escola vai imprimindo, de uma necessidade do corpo pedir ajuda, socorro. Atenção: claro que, nestes processos podem haver adolescentes com doenças orgânicas mesmo e que precisarão de outras abordagens clínicas quer ao nível da medicina interna quer ao nível da pedopsiquiatria. Mas a maioria com quem trabalhei e que tenho vindo a assistir tem como base nesta somatização uma ansiedade crescente, um sofrimento psicológico gradual e que tendo muitas vezes a ser subvalorizado. 

 

Os adolescentes precisam de ajuda. Cabe a nós ajudá-los. 

 

Vai daqui um abraço a todos os pais que estão a lidar com estas dificuldades junto dos filhos adolescentes. Peçam ajuda! Tenham energia! Que a força esteja convosco. 

 

E que a sociedade reflicta num novo paradigma de escola e aja. Somos muitos. A mudança pode,mesmo, acontecer.

 

 

Liliana- psicóloga (e minha mulher) 

 

 

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