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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Ao cuidado dos grávidos de primeira viagem: regras de protocolo* sobre visitas a recém nascidos

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Imagem: Bruno Prezado

 

 

 

Não são bem regras de protocolo, que parece presunção, mas são as sete dicas que eu gostaria de ter ouvido antes da Ana nascer e que, por isso, aqui deixo registadas.

 

1- Parabéns, acabaram de ser pais e, sim: that's all about you!

 

A oxitocina vai estar ao rubro, irão acabar de viver provavelmente a experiência mais brutal e alucinante das vossas vidas e a família estará em êxtase e... terão que gerir muitas emoções. Mas, em primeiro lugar, as vossas. 

 

A mãe acabou de parir, o pai acabou de ter o primeiro grande impacto de que o bebé é mesmo real e um turbilhão de emoções paira no seio do casal: felicidade, ansiedades, receios, dúvidas, preocupações, medo do desconhecido, euforia e outra vez "e agora que isto é mesmo a sério como vamos gerir tanta coisa?" É mesmo assim. Com toda a gente. 

 

Na maternidade acabam de conhecer o vosso bebé, nos casos em que a mãe amamenta está a aprender a gerir essa nova dinâmica, de repente as enfermeiras entram, aspiram bebés, levam-nos, devolvem-nos, testes do pezinho, ensinam ali em cima da cama a dar os primeiros banhos, aproveita-se e vai-se registar o bebé logo na maternidade, de repente surge uma série de necessidades que não se previa (pensos higiénicos maiores, fraldas que têm ser mais pequenas porque o bebé nasceu com menos peso, uma cinta para aconchegar a barriga,  discos de amamentação, o ovo que afinal é obrigatório mostrar na enfermaria, senão não deixam o bebé ter alta). Enfim, vão acontecer mil coisas e ainda (a mais importante) têm ali um ser humano para descobrir. 

 

Se conhecem as dinâmicas das vossas famílias e se acreditam que ,devido à sua extensão, características de personalidade ou outros factores a sua presença na maternidade vai criar entropia não se acanhem e, antes do parto, definam logo um plano de visitas. É importante reforçarem que este é um momento da família alargada mas é, essencialmente,um momento do casal e da nova família que ele está a criar. Portanto, nada de ter medo de melindrar a prima em terceiro grau explicando que preferem que vá visitar o bebé a casa porque aqui, não são as necessidades dos outros que devem ser prioritárias, mas sim as vossas. 

 

No nosso caso foi pacífico: a família da minha mulher, embora alargada, tinha três tios homens que subiram ao quarto, conheceram a Ana em menos de 5 minutos e desceram felizes e contentes. As duas melhores amigas, muito sensatas e pragmáticas, fizeram o mesmo, bem como a prima. A minha sogra e a tia foram presença constante mas, no nosso caso, importantes emocionalmente para a minha mulher que acabara de ter uma dura cesariana e que pode contar com o apoio de ambas. Eu não era visita, era o pai e isso era importante ficar claro (nunca desci para dar uma senha que permitia trocar de lugar com outra visita), portanto, estava lá sempre, porque aquilo era também "about me"

 

De resto, na mensagem que enviámos a anunciar o nascimento da criança, reforçámos de forma humorística e divertida para não melindrar ninguém, que para além da família nuclear,  "visitas só em casa e mediante marcação prévia". Assim se cumpriu. 

 

2- Lembrem-se que "muito ajuda quem não atrapalha"!

As avós ficam em euforia. Ambas. Se for, como no caso da minha sogra, uma primeira neta, as coisas atingem um grau de êxtase brutal. Deixei sempre que a minha mulher gerisse com a própria mãe (e no caso dela a tia,que também tem um papel de muita importância na família) a necessidade de apoio, a necessidade de agora preciso de estar sozinha com a minha bebé, agora chega para lá, agora vem-me dar uma mãozinha. 

 

Quanto à minha mãe (porque vive nos Açores) ainda se ponderou a hipótese pedir férias e vir ajudar nos primeiros tempos da bebé. Não fazia sentido nenhum, porque se por um lado a minha mulher é nora dela e não tinha o mesmo à vontade de lhe pedir ajuda na medida e proporção que pedia às mulheres da sua família, esse papel já estava a ser desempenhado e não havia mais valia nenhuma em trazer a minha mãe que, nesse caso, nem sequer seria uma visita que dá ali uma mãozinha e depois vai embora e deixa espaço e tempo para o casal gerir a nova dinâmica, mas antes uma hóspede.

 

E nos primeiros tempos de um bebé (especialmente do primeiro) o casal precisa de fazer o ninho, de se adaptar ao novo elemento, de aprender a gerir o novo papel de mãe/pai para além de cônjuge, de criar novas rotinas, reajustar outras e de se tornar uma tríade. Isto tudo não é possível fazer de forma tranquila e íntima com visitas a tempo inteiro/hóspedes em casa. Assim, os avós paternos não conheceram a neta de imediato mas conheceram-na um pouquinho mais tarde, com hormonas mais estabilizadas, com rotinas mais estabelecidas e sedimentadas e com energia por parte dos progenitores para receberem hóspedes. 

 

Portanto, analisem as vossas necessidades e o papel que os familiares podem ter e se estão na predisposição de ter de acordo com as vossas regras. Aqui, as regras são sempre as vossas e não cedam para não melindrar ou agradar a ninguém. Este é o vosso momento!

 

 

3-  Nada de dar livre trânsito às visitas e façam prevalecer as regras da boa educação!

A maioria dos amigos fica numa euforia, anda tudo histérico e, de repente, parece que há uma urgência em conhecer o bebé logo com dias, como se o bebé fosse fugir e se perdesse a vez de o conhecer. (Não quero fazer spoiler mas verão que, uns meses mais tarde, depois de passar a novidade a maioria dos amigos mais apressados na altura do nascimento- especialmente os que ainda não são pais- vão perder a pica da novidade e até serão capazes de estar meses sem voltarem a ver o vosso bebé).

 

Tivemos vizinhos (muitos deles até não próximos) que, assim que souberam que a minha mulher teve alta, tocaram à campainha sem aviso prévio com o intuito de entregarem ouro, incenso e mirra à nossa menina Jesus. Graças à tecnologia do vídeo na portaria, pudemos fingir-nos de mortos para quase todos eles e não fazermos o frete de termos que ser anfitriões, ainda por cima com alguma cerimónia, quando o que mais queríamos era sossego, descansar, gerir as novas alterações no padrão de sono, compreender a necessidade de alimentação da miúda que ainda porcima era prematura, os motivos de choro e as cores de cocó da nossa filha e arrastarmo-nos de robe, rabos de cavalo mal feitos e barba por fazer pela nossa casa. 

 

Assim, estabelecemos uma regra com os mais próximos: se quisessem fazer uma visita ligavam antes para perguntarem se era oportuno. Não houve concessões e ninguém entrou enquanto a minha mulher estava de robe a alimentar a filha ou eu de boxers, fralda de pano bolsado ao ombro e a embalá-la perante uma birra de sono. Ah, sim,depois da instrução para nos ligarem a combinar visitas, fomos essas pessoas horríveis que desligaram mesmo a campainha! (para todos os efeitos estava avariada!)

 

4- Receber visitas é bom mas nunca façam bolos

Agora à distância penso que, talvez, possamos ter sido um bocadinho radicais nisto das visitas e não fizemos mesmo nenhum frete. Também era Verão (um Verão ameno) e saíamos com a bebé à rua passada a primeira semana, pelo que as vizinhas, as senhoras da mercearia e os curiosos tinham oportunidade de espreitar (literalmente) a bebé e satisfazerem a sua curiosidade. De resto, as visitas dos amigos eram curtas e sem cerimónias (eles sabiam que estávamos cansados, nós nunca fazíamos bolos com chá a acompanhar nem fazíamos sala, nem nos apressávamos a fazer uma limpeza profunda da casa para os receber, nem fretes) e ninguém levou a mal isso. Ainda bem. Significa que escolhemos os amigos certos. 

 

5- Definir logo regras (no nosso caso, com algum humor!)

A minha mulher é conhecida pelo seu pragmatismo bem humorado. Assim que recebíamos uma visita e ela abria a porta dizia em tom solene: "Seja bem vindo ao nosso humilde lar, proibido beijar a criar, tocar sem lavar as mãos, dar beijinhos e tirar fotografias, muito menos pô-las na internet. De resto, mesmo que a aches com cara de joelho, as minhas hormonas pedem-te que mintas e digas que é a bebé mais gira de sempre".  As pessoas acham-lhe graça mas,por outro lado, não se metem com ela, pelo que este manifesto, a par da mensagem de anúncio do nascimento com a regra de "visitas só em casa e após marcação", poupou-nos muitas chatices, termos que chamar as pessoas à atenção ou sentirmo-nos desconfortáveis por acontecerem estas coisas que nos incomodavam e que nem toda a gente tem o bom senso de partilhar.

 

Talvez algumas pessoas nos possam ter achado picuínhas ou mariquinhas porque na altura desenvolvemos um olhar verdadeiramente aterrorizador (que mais tarde, se transformou no olhar de "em casa conversamos" direccionado à miúda) muito útil para pessoas que acham que acordar bebés é aceitável para os poderem ver de olhos abertos, que podem fumar e a seguir querer pegar no bebé com cheiro a fumo ou, pelocontrário,empestadas em perfume excessivo. Que não se atrevam!

 

6- Peçam ajuda (ou em alguns casos, instruam mesmo!) a alguns amigos-âncora

Todos nós temos aquela amiga mais íntima que organiza todo o pessoal, que difunde a informação, que centraliza a comunicação e que se dá bem com a maioria dos nossos amigos comuns.

 

É a essa amiga que pedimos ajuda para responder "fraldas" quando alguém nos quer fazer uma surpresa e não nos pergunta directamente o que gostaríamos de receber como presente para o bebé.

 

É a essa amiga que avisamos que bom, bom é que quem nos visita e não saiba o que levar e lhe peça a opinião, ela possa sugerir que nos leve uma panela de sopa ou um tabuleiro de bacalhau com natas para nós congelarmos e nos alimentarmos sem termos que preocupar em fazer comida.

 

É essa amiga a quem vamos dar o toque que depois de seis meses de parentalidade, já cai bem que os amigos sem filhos, que entretanto desapareceram por não saberem lidar com os nossos novos papéis sociais ou ritmos de vida, nos voltem a convidar para eventos sociais e parem de nos excluir automaticamente só porque passámos para o dark side. Convidarem-nos mesmo que saibam que, provavelmente, até nem iremos conseguir ir. Mas nós precisamos de continuarmos a sentir que pertencemos ao grupo e que continuamos a ser nós para além de pais, sim?

 

7- Conselhos: não,obrigado!

Esta é aquela altura que toda a gente tem alguma coisa a dizer para se mostrar expert na área da puericultura: toda a gente sabe uma dica para cólicas. outra para o bebé dormir oito horas logo após a primeira semana, outra sobre cicatrizes de cesariana e -mais generalizado ainda- todas as mulheres que nos visitam passam a querer partilhar a historia do seu parto (ou dos seus partos) como se fosse um ritual de iniciação à Grã Ordem das Mães. 

Aqui, dependendo da relação de proximidade que se tem com as pessoas- podemos aceitar as dicas porque nos são verdadeiramente únicas e legitimamos a pessoa que as dá; dizer, de forma assertiva, que estamos a gerir as questões com o pediatra e que está tudo sobre controlo, que não queremos mais opiniões porque depois temos tantas informações díspares que não chegamos a nenhuma conclusão mas obrigado ou então mostrar desinteresse pela conversa, dispersar, mudar de assunto e mostrar toda uma linguagem não verbal que signifique "Conselhos? Não obrigado!"

 

Neste processo todo lembrem-se de duas questões fundamentais: este é o vosso momento e as vossas regras têm que ser soberanas e as vossas vontades devem prevalecer e que, por muito que toda a gente conheça bebés e saiba muito sobre eles, ninguém conhece melhor o vosso bebé que vocês. Mesmo que ele tenha acabado de nascer, vocês tornam-se, automaticamente, doutorados nele!

 

 

(* regras de protocolo a impôr aos visitantes)

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