Como criar um filho feminista
"Isto é a velha história que algumas cabeças duras não querem compreender: o feminismo liberta toda a gente, homens e mulheres, ao destruir os padrões e estereótipos de género. Se usassem a cabecinha, os homens perceberiam que o feminismo não é uma ameaça, mas uma oportunidade. Uma oportunidade de se libertarem da masculinidade tóxica e de serem, também eles, o que quiserem ser."-comentário da leitora Inês Sampaio Antunes a um post no blogue da minha mulher.
Na altura transcrevi para aqui o poderoso e inteligente argumento, lembrando-me de uma reportagem publicada no "The Upshot", um site do New York Times, da autoria de Claire Cain Miller e da ilustradora Agnes Lee,intitulada “How To Raise a Feminist Son”.
A grande premissa desta reportagem baseia-se no facto do paradigma vigente focar-se no empoderamento das meninas, no incentivo para que combatam os estereótipos de género e sejam aquilo que lhes der na real gana, mas ignorarmos completamente o papel dos rapazes neste processo.
Atrevi-me a resumir e adaptar livremente o artigo e a compilar as suas principais ideias, partilhando com os leitores deste blogue algumas dicas propostas pelas autoras para educar os rapazes para a celebração da diversidade e o combate às desigualdades de género.
Tudo isto porque, como defendem as autoras, a mudança no papel social das mulheres só poderá ocorrer de forma positiva e evolutiva se for acompanhada pela mudança paralela no papel dos homens ("As Gloria Steinem says, “I’m glad we’ve begun to raise our daughters more like our sons, but it will never work until we raise our sons more like our daughters.” ).
Assim:
1. Deixem os meninos chorarem
Citando Tony Porter, co-fundador do grupo “A Call to Men” que debate temas acerca da educação e defesa de direitos humanos, a autora esclarece que por volta dos 5 anos os meninos começam a interpretar expectativas sociais face aos seus sentimentos, emoções e comportamentos.Por exemplo, a raiva e a agressividade é um socialmente aceitável ao passo que a vulnerabilidade, o receio ou a expressão da dor são criticáveis junto do seu grupo de género com expressões verbais como "um homem não chora", "não sejas mariquinhas/piegas" ou "tens que ser forte, na ausência do pai és o homem da casa e tens tomar conta da tua irmã/mãe", etc.
Permitir que os meninos chorem é uma mensagem clara que reconhecemos não a sua fraqueza mas a sua humanidade e abraçamos a sua vulnerabilidade,na qualidade de seres humanos providos de sentimentos e emoções. Ensinemo-los a reconhecer e a expressar as suas emoções.
2. Dêem sempre o exemplo
É essencial que os rapazes tenham modelos de referência femininos e masculinos com comportamentos igualitários. É absolutamente imprescindível que eles reconheçam mulheres a desempenhar papéis e tarefas estereotipadamente masculinas para romperem com os preconceitos de género assim como é fundamental terem contato com homens que assumem papéis e tarefas tradicionalmente associados ao sexo feminino. Em casa, é importante que quer pai quer mãe partilhem responsabilidades de forma equilibrada nas tarefas domésticas, na gestão do lar e na educação dos filhos, sem "assuntos de mulheres" e "coisas de homens".
3. Permitam que eles sejam eles próprios (ou seja,que explorem, sem medo, a sua própria essência)
Apesar da diluição dos papéis de género ao longo dos tempos, continua a haver estereotipificação de produtos, roupas, brinquedos e produtos vários mais que nunca: nas lojas de brinquedos os jogos simbólicos,as bonecas, as cozinhas e os vestidos de princesas são para as meninas e os jogos de construção, as brincadeiras de aventura, os dinaussauros e os materiais de desporto com bolas são para meninos; nas lojas de roupas as meninas têm acesso a saias, calças, calções e acessórios de mil cores pastel e vários pantones de cor de rosa e aos rapazes esperam calças e calções com cores muito mais garridas e primárias.
É essencial reiterar que não existem interesses, gostos, brincadeiras, roupas, cores e formas de ser restritas a meninos ou meninas. As crianças não nascem com preferências distintas de acordo com o género com que nascem, está mais que comprovado.Dar absoluta liberdade aos rapazes para experimentarem várias e distintas atividades e possam selecionar diferentes brinquedos e brincadeiras é a única forma de lhes dar acesso ao desenvolvimento sem grilhões das suas potencialidades e encontrarem os seus registos comportamentais, os seus gostos e preferências, para além do socialmente estipulado e sócio-normativo.
.Pesquisas sugerem que as meninas são incentivadas a praticar esgrima, futebol, artes marciais ou a tornarem-se cientistas, engenheiras mecânicas, pilotos e avião mas que o mesmo incentivo não se verifica sugerindo aos meninos que pratiquem ballet,ginástica rítmica ou patinagem artística ou se tornem estilistas ou educadores de infância. Cabe aos adultos oferecer aos rapazes uma vasta gama de possibilidades, tirando o carácter rígido e exclusivo da realidade:os rapazes podem gostar de jogar futebol mas também de brincarem nas cozinhas, podem adorar skates mas de representarem teatros em que vestem vestidos de princesas. E tudo bem.Tudo normal.
4. Ensinem-nos a terem brio e a ser independentes nos seus auto-cuidados
As meninas são,tradicionalmente, e desde a mais tenra idade incentivadas a cuidar do seu corpo, da sua alimentação, da sua pele, da sua higiene, roupa e imagem. São, tradicionalmente, descritas como sendo mais cuidadosas, limpas,organizadas, responsáveis e metódicas que os rapazes.No entanto,não existe nenhuma predisposição genética para que elas assim o sejam.Existe é um treino de competências a este nível precoce e continuado bem como expectativas externas para que elas correspondam a esta imagem,daí que acabam poro concretizar de forma mais eficaz.
No entanto, é importante quebrar estereótipos dos "feios, porcos e maus", do "os rapazes são mais desleixados, badalhocos e descuidados" e da condescendência face a estes comportamentos com base numa "inevitabilidade" ditada pelo cromossoma y que não é, de todo, real. É realmente importante que os rapazes aprendam. desde cedo,a tomar igualmente conta do seu corpo, saúde, imagem bem como de todas as responsabilidades ligadas à sua autonomia funcional e independência nas tarefas domésticas.
5. Ensinem-nos o a cuidar de outras pessoas e a partilhar as tarefas domésticas
Às mulheres é, tradicionalmente, atribuído o papel de “cuidadoras”, sendo bastante comum que desempenhem, inclusive, profissões que impliquem competências a este nível como sendo amas, educadoras de infância, monitoras de lares, enfermeiras,psicólogas, ajudantes de lares de idosos, assistentes operacionais de escolas ou hospitais, etc. As próprias empregadas domésticas são comummente tratadas como "mulheres a dias" ou "senhora das limpezas", havendo inclusive a referência ao género feminino nestas designações. É comum que as esposas sejam "donas de casa" ou "mães a tempo inteiro" mas é com aparente estranheza (e até com algum desdém, atrevo-me a dizer) que alguém encara um "dono de casa" ou um "pai a tempo inteiro", relegando para o papel de trabalhadora fora de casa apenas a mulher e atribuindo-lhe a responsabilidade exclusiva de sustento financeiro do agregado familiar.
Não obstante as coisas estarem a mudar, numa fratia de vários irmãos continuamos a assistir a mães a ensinarem às filhas mulheres os afazeres domésticos como cozinhar, limpar, passar a ferro,etc,e a tratarem os filhos homens com condescendência, convidando-os não só a não partilharem essas tarefas e participarem equitativamente na sua distribuição como apenas a exercerem um papel secundário e figurante de "ajudarem" em tarefas menores.
É essencial que os rapazes aprendam a cuidar de outras pessoas e a serem autónomos nas tarefas domésticas, sob pena de não se quebrar este ciclo de desigualdade de géneros e a esperarem que as esposas se parentifiquem face aos maridos ao invés de juntos fazerem uma equipa equilibrada e com papéis partilhados.
6. Promovam ambientes de convívio heterogéneo entre géneros
Regra geral esperamos que as nossas filhas façam amigas na escola e os nossos filhos brinquem, preferencialmente,com outros rapazes.A expressão "maria-rapaz" ironiza o papel das meninas que gostam de experimentar brincadeiras mais físicas e, por isso, mais tradicionalmente atribuída aos rapazes. Porque não existe a expressão "manuel-rapariga" e a sociedade atribui, de imediato, conotações de "maricas"e "efeminado" aos meninos que gostam de experimentar brincadeiras e tarefas tradicionalmente atribuídas às meninas? Já pensaram nisto? É absolutamente necessário quebrar com estes estereótipos incentivando espaços de convivência e socialização mistos e heterogéneos, sem julgamentos nem juízos de valor, permitindo às crianças serem crianças sem rótulos de género.
7. Ensinem que “não é não”
Ensinar aos rapazes que “não é não”, que "não se bate às meninas nem com uma flor e , já agora, não se bate a ninguém, como princípio, nem com uma flor " e que "quanto mais me bates mais eu gosto de ti é um chocante absurdo" bem como "ela faz género, faz-se de cara, é sempre assim, quanto mais embirra contigo mais gosta de ti, as mulheres são mesmo assim" é tudo mas tudo errado.Não há nada de másculo em dar apalpões, em roubar beijos e em desrespeitar o corpo e a vontade das outras pessoas: é só absolutamente reprovável e censurável sob todos os prismas. É imprescindível ensinar que o corpo do outro só deve ser tocado quando há consentimento claro por parte deste.
Aos rapazes tem que ser ensinado, desde cedo, a ter atenção aos sinais do outro e a respeitar os limites de cada um. Como na nossa sociedade o “não” das meninas e mulheres ainda é ignorado e relevado para segundo plano, é muito importante reiterar esta temática junto dos rapazes.
8. Denunciem e exemplifiquem situações de intolerância e discriminação
Se, na presença da criança, assistir a situações de preconceito,intolerância e discriminação de género é importante isolar o comportamento, analisá-lo,explorar junto da criança o facto, a emoção que ela deve ter gerado na pessoa ofendida (para treinar a empatia com a vítima), a adivinhar as necessidades e as oportunidades dos presentes e testemunhas poderem intervir positivamente na situação, fazendo um correcto debriefing sobre o acontecimento e sendo claro na critica e nos comportamentos que não podem ser banalizados, normalizados e permitidos,apelando à sua participação na discussão.
9. Nunca usem a expressão “menina” como insulto, tentativa de diminuição ou ofensa
"Corres com uma menina" ou "estás a chorar como uma menina" são expressões enraizadas e que atribuem uma conotação de fragilidade, fraqueza, inferioridade às mulheres em oposição ao papel expectativamente forte, rápido, valente,corajoso e superior dos homens ("Sê um homenzinho", "Os meninos não choram!" ou "Não és homem, não és nada!"). É essencial que não se reproduzam expressões infelizes e normalizadas até por muitas mulheres ("a conversa não chegou à cozinha" ou "mulher ao volante,perigo constante!"),quebrando este ciclo de desequilíbrio entre relações de poder com base em atributos de género.
10. Leiam aos rapazes
Há uma ideia disseminada que as meninas são melhores a letras e humanidades e os rapazes a engenharias e ciências. Mais uma vez, é essencial reiterar que não existem interesses, gostos ou aptidões vocacionais inatas a meninos ou meninas. As crianças não nascem com preferências distintas de acordo com o género com que nascem, está mais que comprovado. O que acontece é que os rapazes, por serem vistos como tendo mais robustez física,são desde bebés convidados a explorar mais o espaço, a gatinhar, a experimentar mais atividades físicas e psicomotoras, a fazer jogos de construção. criando mais competências ao nível do seu pensamento abstrato, orientação espacial, noções de tempo e de espaço mais desenvolvidas, o que constituem competências que se traduzem numa maior aptidão para ciências, engenharias,etc. Por sua vez, as raparigas, por serem tradicionalmente vistas com uma maior fragilidade física, são poupadas a atividades de maior risco físico,sendo convidadas a experimentar mais brincadeiras de jogo simbólico (treino de papéis, de competências de cuidado), a ler mais livros, a escrever, a pintar e desenhar e a conversar mais, o que as treina para profissões mais ligadas a Humanidades, Ciências Sociais e Humanas, etc.
As matérias de maior subjetividade e sensibilidade são menos trabalhadas com os rapazes e privilegiam-se as de caráter mais objetivo. Ler bastante aos rapazes e conversar com eles sobre as histórias é uma excelente maneira de mudar este paradigma.
11. Descubram formas de exercer e celebrar a masculinidade com base em padrões igualitários de diversidade e não de relações de poder
Permita que os meninos sejam meninos mas, acima de tudo, crianças. Evitem os rótulos, os estereótipos, os preconceitos e as expectativas normativas de género. Eduquem-nos para serem bons seres humanos.
Todo o artigo original e sem as minhas considerações aqui.
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