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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

E quando um filho fica internado?

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A nossa filha ficou internada uma vez, era ainda muito bebé, teria uns três meses talvez. No entanto, recentemente. um casal de grandes amigos passou por um período de internamento prolongado do filho mais novo, ainda bebé e cá em casa acabámos por dar algum suporte. 

 

Eis algumas ideias e dicas que gostaria de partilhar, de acordo com a nossa experiência:

 

  • Primeiro que tudo ser racional; no hospital a criança doente está melhor que em casa, sob cuidados de pessoal médico preparado e competente e que sabe agir de forma rápida e eficaz às necessidades do nosso filho.

 

  • Obrigatória a presença constante de um dos progenitores junto do filho doente.  A presença constante de um dos progenitores revela-se sempre com efeito placebo junto das crianças e objecto permanente de segurança emocional por parte dos bebés. 

 

  • No hospital da nossa área de residência (público, que cá em casa não temos seguros de saúde e somos defensores absolutos do SNS) ambos os pais podem acompanhar o filho doente durante todo o dia, no entanto, apenas um dos progenitores pode pernoitar. Assim, se o internamento for mais prolongado é importante estabelecer um regime de rotatividade de pernoita entre ambos os progenitores. Se, por um lado, a criança doente fica com acesso intercalado a ambos os pais, por outro, os irmãos não doentes não ficam privados de forma permanente e desequilibrada de um dos pais, podendo gerir de forma mais estável emocionalmente este período conturbado para toda a família. Para além de que, convenhamos, dormir num cadeirão dá cabo do corpo de qualquer pessoa e uma noite, dia sim, dia não, dormida na própria cama e um banho matinal na sua casa regenera qualquer um para o dia que se segue e para poder estar em mais e melhores condições de apoiar toda a estrutura familiar. 

 

  •  Quando o progenitor ausente do hospital quiser comunicar com o presente no internamento deve fazê-lo, sempre que possível, via sms. Telemóveis não são amigos de máquinas e aparelhos hospitalares e vozes aflitas e choronas ao telefone são pressentidas pelas crianças, ainda que em idade muito precoces.

 

  • Falar com o filho doente sempre num tom normal e sem "coitadinhaaaa da minha bebéééé, pobreeeezinhhaaaa!". Uma voz calma e pausada, no timbre e no registo a que sempre habituámos os nossos filhos fá-los reconhecer o controlo da situação por parte dos pais. Qualquer linguagem verbal ou não verbal dissonante por parte dos progenitores faz acender a sirene de alerta dos nossos filhos: "se a minha mãe/meu pai estão agitados é porque há razão para tal, logo, fico também eu descontrolado e inseguro."  Nunca perder o controlo ou chorar ao pé do filho doente. Se estamos numa situação em que queremos que a criança mantenha a calma e não fique ansiosa temos que dar o exemplo. 

 

  • Levar um bocadinho do ambiente caseiro e familiar para o hospital, de forma a transmitir familiaridade, conforto e afecto. No nosso caso, levámos a mantinha que a Ana usava desde que nasceu, os biberãos eram os dela e o seu "dodo" funcionava como objecto de transição. No caso de crianças mais velhas levar os amuletos, fotografias da família ou alguns brinquedos preferidos tem o mesmo efeito. 

 

  • Também importante é manter as rotinas de horas de alimentação, sono e banho, especialmente tratando-se de bebés ou crianças muito pequenas. Os bebés estranham o ambiente hospitalar, as novas rotinas, as novas pessoas, pelo que, providenciar objectos familiares, cheiros familiares, vozes e caras familiares e alterar o mínimo possível as rotinas do bebé são aspectos que fazem diminuir a ansiedade e transmitem a ideia de controlo e reconhecimento do espaço físico e social por parte do bebé.

 

  • Interferir, o mínimo possível, na altura dos procedimentos clínicos. Ninguém gosta de ver um filho ser picado mas, convenhamos, que assistir, de lágrimas nos olhos ou fazendo um esgar de angústia, à realização de análises, não contribui nada para transmitir à criança a calma e a confiança necessárias nos enfermeiros e médicos. Assim, há que fazer compromissos. Se a criança for pequena e a presença de um dos progenitores for essencial deve avança o progenitor que possa ser mais facilitador naquele processo. Por exemplo, recentemente a minha filha teve que levar uma injecção de penicilina, já sabíamos, por experiências anteriores, que ela iria trepar por tudo o quanto era lado e que eu teria maior robustez física para apoiar as enfermeiras nesse processo; mas, por outro lado, nestas alturas a presença da mãe tem um efeito de controlo emocional por parte da miúda muito maior; assim, a mãe falou com a filha com calma explicou-lhe o que iria acontecer e combinaram que "a pica" seria dada ao colo da mãe, que iria doer (é importante dizer sempre a verdade aos filhos!) mas que a mãe estava ali para garantir que as senhoras enfermeiras fariam doer o menos possível. Neste item, cada pessoa conhece-se a si, ao parceiro e ao seu filho: se sabe que o seu semblante irá demonstrar angústia, preocupação ou aflição, lembre-se da velha máxima que "muito ajuda quem não atrapalha!" e dê a vez ao seu parceiro! Se ambos são impressionáveis, mantenha-se um na sala, mais afastado do sítio onde o procedimento está a ser feito ( seja picar para colocar o acesso ao soro, picar para tirar sangue, algaliar para colher urina, etc.) e vá dando reforço verbal e com uma voz segura à criança. Assim que o procedimento acabar, aproxime-se de imediato para o merecido colo. 

 

  • Fazer todas as perguntas mais delicadas, colocar todas as dúvidas e discutir todas as questões relacionadas com o tema sem ser na presença da criança. Lembre-se que mesmo que esteja a falar ao telefone com um familiar e ela até esteja a brincar no tablet, as antenas estão sempre no ar e eles apanham tudo. Deixe os assuntos dos adultos para os adultos, longe das crianças.

 

  • Estabeleça comunicação com outros progenitores de crianças internadas na mesma enfermaria. Os pais podem precisar de ir ao quarto de banho, lá abaixo ao bar buscar um snack ou falar com um médico fora do quarto. Nesta altura é bom sentir que pode pedir para o outro pai "deitar um olhinho" ao seu filho, tocando na campainha caso haja alguma emergência ou sou ajudando em coisas triviais como em passar uma revista ou fazer um bocadinho de companhia ao seu filho doente. Lembre-se que estão no mesmo barco e empatia e suporte ajudam sempre.

 

  • Não tenha pudor em usar a sua rede de apoio para gerir o resto da sua dinâmica familiar para além da do seu filho doente e internado. Se os amigos são verdadeiros são mesmo para as ocasiões: se um vizinho que tem os filhos na mesma escola de futebol que os seus lhe oferecer boleia para os levar aceite a ajuda, peça à sua melhor amiga apoio na preparação de refeições  (panelas de sopa são sempre bem-vindas, até para os pais levarem para o hospital, onde o sistema de senhas nem sempre funciona bem e uma sopa caseira num termo aconchega a alma), peça à madrinha dos seus filhos não doentes que os levem para dormir lá em casa uma noite mais crítica, peça à sua irmã que receba as compras que encomendou no supermercado online e use e abuse dos seus pais e sogros para a gestão do dia-a-dia dos filhos não doentes, de forma a alterar o mínimo possível horários e rotinas de todos.

 

  • Todos sabemos que o amor que se tem pelos filhos é sempre igual mas, em casos de maior aflição, tendemos a concentrar-nos no filho mais frágil ou a precisar, naquele momento, de maiores cuidados e atenção. No entanto, não caia no erro de fazer com que os irmãos se sintam "desamados" ou sem qualquer atenção. O regime de rotatividade que falámos ali em cima serve, também, para garantir esta questão: o progenitor que está no hospital com o filho doente só tem que, na sua hora de escala, se preocupar inteiramente com aquele filho e o progenitor que estiver em casa deve garantir todo o apoio e suporte aos irmãos não doentes, de forma a minimizar o mais possível o impacto desta situação na família nuclear. 

 

  • Garanta que os irmãos se apoiam. Em muitos hospitais, as visitas são restritas a crianças e os irmãos podem não se poder visitar. Leve desenhos e postais dos irmãos para o irmão internado, se o internamento for prolongado tente fazer chamadas de vídeo para que que se vejam e oiçam e estimule que irmãos façam planos conjuntos para quando a criança tiver alta hospitalar. 

 

  • Os filhos precisam para o seu desenvolvimento físico, psicológico, motor, social e afectivo, de contacto humano (voz, toque, cheiro) com os pais, enquanto figuras de referência. Em ambiente hospitalar não é excepção. Explique sempre ao seu filho o que está a acontecer (mesmo que seja pequeno, basta adaptar a linguagem ao seu nível de percepção!), o que irá acontecer de forma a reduzir-lhe a incerteza e a ansiedade, toque-o, abraçe-o e dê-lhe todo o colo que ele pedir. Continuamos a acreditar que para os filhos: "Home is where my parents are". E lembre-se: nunca lhe minta e diga "não vai doer nada" quando sabemos que vai doer. A verdade sempre mas a verdade apoiada por si: "vai doer um bocadinho na altura da picada mas depois da picada passa e deixa de doer e o pai dá-te colinho e beijinhos para passar mais depressa". O seu filho tem que confiar, de forma absoluta, na sua palavra. 

 

  • Ter um filho internado é duro e põe à prova uma grande capacidade de organização, empatia, trabalho em equipa, comunicação, negociação, controlo emocional e resiliência no casal. Quando a situação estiver normalizada e no regresso a casa mime-se a si e ao seu parceiro. Agendem um fim-de-semana de descanso (com a família toda ou só a dois), jante fora sem remorsos ou compre uma boa garrafa de vinho e uma bela tábua de queijos e faça um piquenique em segredo, um dia à noite, depois de todos adormecerem só a dois. 

 

Update que é importante esclarecer enviado pela leitora Isabel Coimbra: "Sabias que a lei diz "A criança com idade até aos 18 anos internada em estabelecimento de saúde tem direito ao acompanhamento permanente do pai e da mãe ou de pessoa que os substitua." e que a Carta dos Direitos da Criança Hospitalizada indica que isto é independentemente da idade e do estado de saúde da criança? Ou seja, inclui bebés na neonatologia.".

Não sabia (mea culpa) mas fiquei a saber e vou estudar a matéria. Sugiro que todos os pais façam o mesmo para estarmos cientes dos nossos direitos e deveres em alturas de elevada vulnerabilidade como é o caso do internamento de um filho

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