Educamos pelo exemplo?
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As crianças são novas no Mundo e deparam-se com uma série de desafios para os quais o papel de questionamento, apoio na análise e resolução de problemas, orientação e capacidade de decisão carece do suporte do seu progenitor/adulto de referência. Este adulto tem que ser legitimado e só se legitima pelo exemplo.
No entanto, a criança não é uma tábua-rasa. Ela nasce já com características de personalidade e comportamento, que não são adquiridas, são genéticas (ou pelo menos, com predisposição nesse sentido) e desprezar isso ou tentar mudar isso à força, moldar as crianças forçosamente contra a sua natureza não só é contraproducente como ineficaz.
Com isto, não quero dizer que não acredite no papel do ambiente e da educação (antes pelo contrário!), até porque acredito que o papel do ambiente e do contexto acaba por prevalecer. Não nos podemos é esquecer que devemos ter em conta ambas as condicionantes: as inatas (a genética, os traços-base de personalidade) e as adquiridas (a educação, a influência do ambiente onde a criança cresce, os adultos que a cercam, o grupo de pares).
Por exemplo, podes ter uma criança inatamente tímida e introvertida mas, se os pais forem extrovertidos e relacionais, ainda que a criança não o passe a ser por “contágio” vai, através do exemplo dos pais, aprender e reproduzir as chamadas estratégias de coping (mecanismos cognitivos e comportamentais que as pessoas utilizam para para fazer face a situações internas e/ou externas que são percebidas como "demasiadas" para a capacidade de utilização dos recursos pessoais disponíveis e aprendidos ao longo da vida e geradores de algum stress) de forma a poder responder adequadamente face ao meio e reduzir o seu stress face a situações em que lhe é esperado ser mais “relacional”. A criança não passa a ser extrovertida por magia, mas aprende a reagir adequadamente ao contexto, em que beneficia dessa competência relacional.
Portanto, a minha resposta à questão "Educamos pelo exemplo" é que, a nível macro, o comportamento dos filhos (nomeadamente na primeira infância) reflecte muito o comportamento e atitude dos pais, enquanto modelos de referência; pelo que, sim, educamos pelo exemplo.
Mas atenção que a criança pode procurar outros modelos de referência, nomeadamente em contextos mais disruptivos. Pode legitimar outro adulto de referência como o avô, um tio com idade mais próxima da dele ou mesmo um professor ou técnico de intervenção social (a minha experiência de trabalho em bairros com populações mais desfavorecidas e com famílias mais desafiantes sublinha-me a importância e a legitimidade que as crianças conferem aos adultos que trabalham ao nível da intervenção social e que lhes mostram outras estratégias de resolução de problemas e de comunicação, havendo claramente um impacto a este nível no comportamento destas crianças, numa tentativa de não perpetuarem modelos de conflito e disruptivos).
Então, como podemos nós pais, sabendo que educamos inevitavelmente pelo exemplo, gerir esse poder da melhor forma? Há várias teorias sobre isto mas, para ser justo e verdadeiro, só encontrei a minha resposta na minha experiência enquanto pai: sendo consistente e fazendo concessões.
Como adulto, sempre gostei de chegar do trabalho e assistir às notícias da televisão com a minha mulher, enquanto jantávamos. Discutíamos a atualidade e tínhamos ali um momento de partilha. Como pais, tivemos que fazer essa concessão sob pena de não criarmos espaços de partilha de conversa a três, uma vez que a televisão é um estímulo visual que absorve toda a atenção da nossa filha e, por outro lado, ela, enquanto uma criança de 5 anos, não consegue participar em discussões sobre a actualidade nacional e do Mundo.
Assim, jantamos sempre e sem excepção de televisão desligada e aproveitamos o espaço da refeição, ao fim do dia, como momento de partilha dos dias de cada um, na linguagem de cada um, mas em que a minha filha é convidada a empatizar com o dia-a-dia dos pais e os pais sentem algum controlo em conhecerem os acontecimentos e as emoções da criança no seu dia-a-dia, de forma a identificarem necessidades e a agirem atempadamente e em conformidade com os acontecimentos. Acontece é que eu e a mãe dela tivemos que fazer essa concessão. Essa e muitas outras: chegamos a casa e ninguém mexe em tecnologia (esperamos que ela adormeça para voltarmos aos e-mails importantes, às redes sociais, etc.) e comemos sempre sopa (e só voltámos a adquirir esse hábito depois dela começar a comer sopa), por exemplo. O problema é que a maioria dos pais, depois de se libertar das obrigações inerentes a ser filho, não quer voltar a regras das quais já se libertou com a aquisição da independência inerente à idade adulta e não lhe apetece fazer concessões. Eu percebo. É chato. Para nós também. Mas nunca ninguém disse que educar era pêra doce.
É importante, realçar que, na adolescência, não podemos descurar o papel do grupo de pares. Ai o reflexo dos pais no comportamento dos filhos pode estar imprimido a um nível mais inconsciente e de identidade já formada, mas conscientemente há uma tendência a rejeitar esta influência, como tentativa de se demarcarem dos progenitores e criarem uma identidade própria e de a afirmarem.
(Se quiserem ler mais sobre este tema, de forma mais aprofundada e com exemplos de dicas mais práticas convido-vos a comprar a revista Pais onde fui convidado a partilhar algumas destas e outras ideias num artigo de quatro páginas. e, já sabem!, a discussão sobre o tema está aberta na página de facebook do "Em nome do Pai". Venham daí!"