Let's talk about sex, baby?!
Cá casa regemo-nos por um princípio do qual não abrimos mão: nunca (sob que pretexto algum) mentimos à Ana. Isto aplica-se a tudo, se ela pergunta se a "pica" da vacina vai doer, nós dizemos que sim e que no fim a reconfortaremos. Se no início do ano lectivo nos pergunta se vai ser difícil ter que voltar à rotina, concluímos que sim (a ela custa-lhe sempre recomeçar) mas que estamos cá para a ajudar. E isto tanto vale para verdade dolorosas como corriqueiras. No outro dia dissemos-lhe que quem a iria buscar era a mãe, um bocadinho mais cedo que o normal, e quando tivemos que reajustar o dia e percebemos que seria a tia-avó a ir apanhá-la (o que na verdade é muito mais a realidade dela que a excepção de ser a mãe e ela até adora a tia, nem haveria grande drama no processo) fizemos o que tinha que ser feito e ligámos para a educadora a avisar da mudança de planos, para que a pudesse transmitir à Ana.
Claro que há raras (raríssimas) excepções.Continuamos a alimentar o Pai Natal e a fada dos dentes porque embora a saibamos pragmática queremos prolongar um bocadinho do imaginária e da magia da infância,embora tenhamos dúvidas de como reagiremos quando nos confrontar directamente com a existência real de tais personagens.
Por isso, um dia, aos quatro anos e ao jantar quando nos perguntou como eram feitos os bebés, respirámos fundo, here we go e contámos-lhe, sem recorrer às convenientes cegonhas.
A mãe é especialista nessas conversas e lá explicou que a mãe tinha dentro da barriga um óvulo (uma espécie de ovinho pequenino) e o pai tinha dentro da pilinha um espermatozóide (uma espécie de semente rápida como um girino) e que quando o girino conseguia entrar no óvulo, aquilo junto tinha um poder mágico que era dali sair um bebé. Pareceu-me uma imagem bonita, embora um tanto uma espécie de Big Bang ou de "e puff... fez-se chocapic".
Claro que a Ana precisou de saber mais. Afinal como chegava a semente dentro da barriga da mãe e lá lhe explicámos coisas sobre anatomia e o que significava "fazer amor" (a pilinha do pai que se introduz dentro do pipi da mãe), o amor e o facto das pessoas fazerem amor porque se amam (ok, esta parte foi romantizada mas não podemos dizer a uma criança de 4 anos que basta haver cópula sem sexo para nascer uma criança) e que tinha sido dessa forma que Big-bang, "fez-se chocapic", ela tinha nascido.
Não acredito que sejam precisos livros muito científicos para se ter esta conversa, nem colocar um tom sério e formal para se falar no tema. Mais que tudo, é importante não evitar ou adiar a conversa, falar com toda a naturalidade possível sobre ele ("se os pais se mostram desconfortáveis com o tema, então, é porque existe algum motivo para gerar esse desconforto, certo?).
E é importante que os pais entendam que falar de sexo é mais que isso: é falar do corpo, da identidade sexual, do género, de afectos, de intimidade e de tudo isso que, junto, faz a sexualidade. Algo que nasce com todos nós. Sim, com os nossos filhos também.
Algumas dicas que nós acreditamos serem importantes na abordagem do tema:
- Adequar a linguagem à idade das crianças (embora alguns estudos sugiram que se deva utilizar logo palavras como "testículos" ou "vulva", e que não faz sentido ensinar "pipis" e "pilinhas" para depois voltar a ter que se ensinar "ovários" e "testículos" e é trabalho pedagógico a dobrar quando se pode explicar logo certo) continuamos a acreditar no uso de uma linguagem mais compreensível por eles para introduzir o tema ao invés de para além do tema termos que utilizar toda uma nova semântica.
- Não antecipar respostas, ou seja, deixar a criança conduzir a conversa. Se a criança, aos 2/3 anos fica satisfeita por saber que um espermatozóide chega a um óvulo mas não se questiona como se dá a junção, tudo bem. Não se precisa de dar respostas todas ao mesmo tempo, quando a criança até ainda não tem curiosidade ou sentido crítico para as fazer (e sentido analítico amadurecido o suficiente para as interpretar). Assim, é deixá-la reflectir mais sobre o tema. Até porque mais tarde, certamente, voltará à questão. Garanto-vos.
- Há um jargão muito psigeek entre psicólogos que justifica tudo e que se resume numa frase "Freud explica". As crianças começam a manipular os genitais a partir dos 2 anos, quando percebem que essa manipulação é uma fonte de prazer. Esse prazer não tem uma conotação racionalmente "sexual" para o menino que está a ver os desenhos animados enquanto mexe no pénis ou para a menina que manipula a vulva distraidamente. A masturbação é um dos primeiros actos infantis de descoberta do próprio corpo e da procura do prazer e não tem nada de mal, toda a conotação erotizada é uma construção sexual que está na cabeça dos adultos.
- Cabe aos pais não repreender nem castigar, mas aproveitar a ocasião para reforçar as questões de higiene, auto-cuidado com o corpo e, principalmente, privacidade. Explicar que os orgãos sexuais devem ser protegidos quer através da lavagem específica no banho, do cuidado ao limparem-se após irem ao quarto de banho, etc. E, principalmente, para explorar as questões de que nos orgãos genitais ninguém, para além dos próprios, deve mexer. Ah, não esquecer que não repreender não significa que haja uma completa liberalização do acto sem quaisquer regras: cabe também aos pais explicar que essa manipulação não deve ser feita publicamente mas sim em contextos contentores de privacidade.
- Se duas crianças, pares de idades semelhantes, espreitam os orgãos sexuais uma da outra também é normal e também não há nenhuma erotização no processo. Ali por volta dos 4 anos acentua-se a compreensão das diferenças entre sexos, isto é, raparigas vs rapazes e esta procura de diferenças não é mais que isso mesmo: verificação das diferenças. Sem dramas.
- Em crianças em idade escolar, a abordagem já não deve ser tão simplista, até porque a génese das questões tenderá a ser progressivamente mais complexa. Aqui podemos aproveitar o recurso de documentários disponíveis no youtube para, em conjunto, com os filhos podermos ilustrar algumas especifidades mais científicas e complexas como explicar a carga genética, os gâmetas, como funcionam as epidurais ou ilustrar um parto natural e o impacto que o mesmo tem no corpo da mulher, por exemplo.
- Na fase da puberdade e adolescência é importante introduzir os temas das mudanças corporais, da menarca, da relação entre sexo e afecto, da perda da virgindade, da contracepção, da saúde reprodutiva, das doenças sexualmente transmissíveis. Normalmente há um dos progenitores que o adolescente procura preferencialmente para abordar estas questões, deixando de o fazer durante à mesa, durante o jantar.É importante manter os canais de comunicação abertos, gerir as emoções contraditórias que causa aos pais a vida sexual dos filhos (cuja infantilização tendemos a prolongar o mais que conseguirmos).
- Nunca mais voltámos ao assunto com a Ana. A curiosidade ficou satisfeita, sem dramas nem pudores, sem dar uma conotação de"elefante na sala" ao tema mas também não lhe atribuindo mais importância do que ele tem, necessariamente. Saberemos que, a seu tempo, outras dúvidas surgirão e lá voltaremos.