Mãe da filha # 9
"Desabafava comigo, um destes dias, uma amiga a propósito do temperamento das suas duas filhas, com idades muito próximas mas com comportamentos quase opostos. Dizia-me ela que a mais velha era muito responsável, fácil de lidar, resiliente e esforçada. Para que ela ultrapassasse os desafios bastava motivá-la, muitas vezes usando a estratégia de a espicaçar em jeito de jogo "Não és capaz de...".
A mais nova, mais laissez faire e descontraída- dizia ela- mais preguiçosa e teimosa: Sempre que a desafiava para alguma coisa o resultado era pior, fazia finca pé, fazia o contrário do que se lhe pedia, "gozava o prato". Uma era boazinha e dócil, a outra birrenta e difícil.
A questão da minha amiga era uma: como é que dando-se a mesma educação a duas crianças com idades tão próximas, as mesmas poderiam ser tão diferentes?
Sorri e lembrei-me do exemplo da minha própria família. A minha avó teve quatro filhos e nenhum deles podia ser mais diferentes que os outros três, ainda que tivessem diferenças de dois anos entre eles. A minha avó, muitas vezes, em jeito de desabafo perguntava o mesmo: "Como é que foram todos educados da mesma forma e são todos tão diferentes?".
Nenhum pai educa os filhos "da mesma forma". O "da mesma forma" não existe em termos de educação, nem mesmo quando se trata de educar gémeos.
Em primeiro lugar porque os objectos da educação (as crianças) não são tábuas rasas. Têm, geneticamente, propensão para desencadearem atitudes e comportamentos diferentes face a diferentes estímulos. Têm, efectivamente, no código genético tendência para possuírem personalidades próprias que originarão respostas diferentes ao mundo que as rodeia. E isso vê-se, por exemplo, de forma mais explícita junto dos irmãos, por vezes tão iguais em termos físicos e tão diferentes em questões de personalidade. Acreditar que o comportamento das crianças é apenas fruto da educação que se lhes dá e que este é matéria apenas adquirida e não inata é tão ingénuo como acreditar que um dia de Verão é igual na Europa, em África ou na Austrália, onde o sol bate com diferentes ângulos.
Em segundo lugar porque os sujeitos da educação (os pais, ou outros agentes de educação) não são seres estanques. Ainda que a diferença de meses entre as duas filhas da minha amiga pudessem prever que a mãe lhes dá uma educação semelhante, a verdade é que, neste caso concreto, enquanto a filha mais velha conheceu uma mãe de primeira viagem, mais ansiosa e deslumbrada, mais medrosa e meticulosa, mais rigorosa e certinha, mais insegura, até, a filha mais nova já ganhou uma mãe com experiência e savoir-faire, com mais certezas e segurança, mais descontraída e relaxada, menos exigente. Como é óbvio esta mãe (a mesma mãe) não é a mesma pessoa quando pare uma filha do que quando pare a seguinte, tal como não educa da mesma forma a primeira do que educa a segunda.
Finalmente, cruzando estes dois factos, a reacção pedagógica da mesma mãe, em alturas diferentes da sua vida e da sua maternidade face a crianças com diferentes traços de personalidade inatos não pode ser a mesma. Já para não falar na influência que os irmãos têm na educação uns dos outros, algo que os filhos mais velhos não experimentaram numa primeira fase.
Tentei explicar isto à minha amiga que, curiosa, absorveu com atenção tudo o que fui pensando alto ali com ela. Assentiu que talvez estivesse a ser ingénua reproduzindo os modelos pedagógicos que resultaram com a filha mais velha junto da filha mais nova. Que, sim, que tinha que se saber adaptar e encontrar estratégias educacionais alternativas que se adequassem ao temperamento da mais velha.
E eu rematei com um exemplo que não podia deixar de partilhar aqui: viajei, recentemente, durante cerca de uma semana e meia para os Açores. Não sou pessoa de ter plantas em casa, pelo que, levei comigo a chave e não a deixei a ninguém para me tomar conta da casa. Quando estava nos Açores descorreu-me que tinha plantas aromáticas no parapeito da janela da cozinha e que, quando regressasse, já estariam mortas, de certeza. Principalmente, o cebolinho que, não obstante ser regado tantas vezes quando a salsa, os coentros e o manjericão, estava sempre murcho.
Quando regressei assisti a uma curiosa surpresa: a salsa, os coentros e o manjericão estavam, de facto, mortos. Já o cebolinho estava viçoso como nunca o tinha visto, ainda que sem água nenhuma.
Tal como com as plantas algumas crianças para fotossintetizar precisam de muita água. Já outras precisam apenas de sol."
Liliana (minha mulher e mãe da minha filha)