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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Na sala de espera

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Não consegue dormir. "Dói, dói-me!". O choro aflito, tentamos resolver, consolar, dar colo, apaziguar a dor. "Dói, dói-me!". Vestimo-nos num micro-segundo- onde enfiei as chaves do carro?- agasalhamo-la- não consigo apertar o cinto da cadeirinha justamente agora porquê?- meto o carro a trabalhar e seguimos em silêncio com o eco do choro dela no carro- chora ainda mais, longe do colo, apertada pelos cintos da cadeirinha. Chegamos e não há fila. Só quer o colo da mãe, a mãe procura os documentos, pede-me que a segure por instantes para aceder à mala, só quer a mãe, chora mais. A mãe segura-a, a ela e aos documentos que encontrou, sem mãos a medir e eu aqui de mãos vazias, colo vazio, sem conseguir ajudar mais, uma sensação de impotência desgraçada. Não me deixam entrar, só pode um acompanhante, pergunto se quer que entre eu- é-nos igual- quer a mãe. Está doente e só quer a mãe.

 

Não sei o que se passa lá dentro, passam os minutos, consigo acompanhá-los segundo a segundo com os olhos a vigiarem o relógio desta parede da sala de espera do hospital. Ainda lhe doerá? Ainda chorará? Que cor lhe terão atribuído na triagem? Já a terão chamado para observação? Resta-me o vazio da sala moribunda de espera do hospital, sem bonecos nas paredes, sem o calor dela encostada ao meu pescoço, sem que me diga se está a passar, sem que me responda onde dói, como dói, se dói mais ou se dói menos, sem ouvir a minha voz a assegurar-lhe que vai passar- e irá!.

Levanto-me, sento-me, o relógio da sala de espera como companhia. Estará a mãe exausta? Cansar-lhe-á o colo? Queria revezar-me com ela, carregar o peso dos três anos da nossa filha a meias, carregar o peso da dor e das palavras doridas da nossa filha. Resta-me o silêncio da sala de espera, a certeza de que fui escolhido pela melhor mãe que a minha filha poderia ter, a compreensão de que a pequena prefere a mãe na dor porque existe uma espécie de segurança uterina e umbilical que me transcende e que quanto a isso nada posso contrapôr. Resta-me ir à rua, apanhar o ar fresco da madrugada, acreditar que vai passar e, de repente, o vislumbre de ambas, cansadas, exaustas a sair do serviço de urgências pediátricas do hospital.

Adormeceu a pequena e, enquanto a mãe, arruma a receita e os documentos, seguro-a contra mim. Ela suspira como estivesse à minha espera para um sono completo e profundo, descansado e já sem dores.

Deixo para trás o relógio, a sala de espera fria, a falta de notícias, o vazio de não agir e a sensação frustrante de quem a nada mais resta senão esperar.

Ser pai, às vezes- muito poucas- pode ser muito, muito solitário.

 

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