"Não ser pai todos os dias cansa"
Acredito, veementemente, que nunca houve tão bons pais, interessados, conscientes e participantes ativos na educação dos filhos como hoje. Somos, na minha perspectiva, a primeira fornada de pais realmente excepcionais, que não querem ajudar a mãe mas formar equipa com ela, que não querem empurrar com a barriga as decisões do dia-a-dia mas pô-las em cima da mesa e discuti-las em casal e que reclama um papel ativo, presente e ao mesmo nível da mãe.
Esses pequenos sinais vêem-se nas reuniões das escolas (no meu tempo era uma sala cheia de mães,na última reunião da turma da minha filha a que compareci era uma sala cheia de casais), nas salas de espera das urgências dos hospitais (da última vez que lá fui com a Ana e em que cheguei ao hospital primeiro que a mãe e entrei para fazer a triagem e esperar pela chamada havia mais pais homens com os filhos do que mães. Foi tão surpreendente para mim que assim que a minha mulher chegou, para ir alternando comigo os colos da miúda, comentei com ela e concluímos que há, de facto, uma mudança de paradigma).
Cá em casa não há, até à data, assuntos de pai ou de mãe. Todos os assuntos da vida da Ana nos dizem respeito a ambos e embora um de nós tenha que ser, formalmente, o encarregado de educação, toda a informação é partilhada, discutida e decidida a dois.
No entanto, notamos que a sociedade ainda desconfia deste modelo que emerge de forma natural. Se vou buscar a Ana à escola , a auxiliar manda sempre recados sobre a Ana para "eu não me esquecer de dizer à mãe", as pessoas espantam-se muito quando estou com a minha mulher num sítio público e a Ana pede para ir ao quarto de banho e sou eu que avanço para a acompanhar e não a mãe e, no passado, tive imensos problemas com uma ex entidade patronal porque a minha produtividade baixou após o nascimento da minha filha porque eu queria acompanhá-la a todas as consultas e a minha chefia (mulher) não percebia porque não ia simplesmente a mãe sozinha, até porque estava de licença de maternidade.
Eu sempre quis ser pai por inteiro, não que a mãe fosse a procuradora da minha parentalidade e que a nossa filha fosse, na prática e não apenas conceptualmente, um projecto a dois e dos dois.
Temos um amigo que se está a separar. Daí não nasce nenhuma pérola, já dizia o poeta, não será o primeiro nem último. Enquanto casal tinham uma dinâmica muito parecida com a nossa, em particular no que diz respeito à parentalidade. Quando tudo se configurava para uma óbvia custódia partilhada com residência alternada, a mãe deu o dito por não dito e sugeriu que o pai tivesse direito a um jantar por semana e um fim-de-semana de quinze em quinze dias.
Quando, como amigos, a questionámos do porquê da objeção percebemos que, como na maioria dos casos, a mãe estava a utilizar o filho como arma de arremesso para castigar o pai, de quem tinha partido o pedido de separação. Mais uma vez conjugalidade e parentalidade a serem confundidas e, pior, no seio de um casal constituído por pessoas inteligentes e com bom senso.
O pai, obviamente, não aceitou. Dizia que não queria passar de ser o pai que dá beijinhos todas as noites antes de dormir, o pai que dá banhos desde que a criança nasceu, que lhe conhece os gostos e interesses, que sabe o nome de todos os dinossauros, que entra na pscina para o acompanhar desde as suas primeiras aulas de natação, para um pai em "part-time".
Foi exactamente esta a expressão que ele usou: "não quero ser pai em part-time".
Não quer ser um pai que não consegue acompanhar e ajudar nas matérias da escola, que só de quinze em quinze dias sabe os novos gostos adquiridos pelo filho, que não sabe como correram os dias, que tem que condensar em quatro dias por mês tudo o que quer viver com o filho durante a sua infância e adolescência.
Na primeira audiência, o tribunal atribuiu à mulher o papel de criar o filho, conferindo aos nosso amigo um regime de visitas resumido a fins de semana alternados e férias. Ele recorreu, Não lhe fazia sentido que a mãe criasse o filho que era dele de igual forma e a ele apenas lhe coubesse a tarefa de o sustentar e ter uma esmola de tempo quinzenal. Recorreu.
A realidade é que o número de crianças enquadradas num regime custódia partilhada alternadamente com a mãe e com o pai depois da separação do casal está a crescer, mas ainda é residual. Apesar de todas as mudanças de paradigmas, nestes casos, a prática do Direito de Família continua a decidir com base nos estereótipos dos papéis de género baseados na crença de que cabe à mãe cuidar/amar e ao pai sustentar. A situação de profunda desigualdade e discriminação começa a ser reconhecida e penso que, ainda assim, estão a ser feitos esforços no sentido de promover um maior equilíbrio na regulação do poder paternal.