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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Qual a idade certa para oferecer um smartphone ao meu filho?

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Os nossos pais não tiveram que lidar com este dilema,numa altura em que os PBX das escolas eram a solução para qualquer um deles entrar em contato conosco em período letivo e as cabines telefónicas funcionavam com simples moedas ou, mais tarde, com credifones. Havia um maior planeamento, um maior rigor no cumprimento de horários (porque não se podia avisar ninguém na hora que se ia chegar atrasado), os compromissos eram mais rígidos, ligava-se quando se tinha algo realmente importante para se dizer e não apenas para desconversar (os "períodos" telefónicos eram caros) e na adolescência, período dado a mais devaneios telefónicos, muitos de nós deparavamo-nos com cadeados no disco do telefone fixo. 

 

Já na nossa adolescência surgiram os primeiros bips (o meu era da Coca-Cola e saia gratuito depois de eu ter quase uma overdose daquela bebida) e o meu primeiro telemóvel veio aos 18 anos, com a entrada na universidade e muito devido ao facto de ter mudado de cidade para estudar e estar a muitas centenas de kms dos meus pais. Creio que a maioria das pessoas da minha geração terão tido o seu primeiro telemóvel na mesma idade. 

 

Mas hoje em dia a questão coloca-se cada vez mais, numa altura em que sentimos que as crianças estão mais expostas a perigos, onde as comunicações são mais fluidas e os ritmos de vida mais dinâmicos e mutáveis, e, ocasionalmente, colocam-me a questão: qual a idade certa para oferecer um telemóvel ao meu filho?

 

Embora esta seja uma escolha pessoal e dependa de muitas variáveis e das diferentes dinâmicas familiares onde estão inseridas as crianças, na minha opinião, a criança deverá receber o primeiro telemóvel básico, apenas com função de chamadas e envio de mensagens aquando da entrada no 2º ciclo, especialmente se mudar de estabelecimento de ensino e como marco desta nova fase. Desta forma, e sem um telefone com dados de internet, a criança pode fazer chamadas para os seus adultos de referência ou enviar pequenas mensagens de texto, comunicando de forma controlada.

 

Com isto, defendo que a aquisição de um smartphone para uma criança deva ser atrasada tanto quanto possível, tendo assinado uma petição americana denominada "WAIT UNTIL 8TH" (ver link). Este movimento trata-se de uma forma de sensibilizar pais norte-americanos de esperar até ao 8º ano (daí o nome "Wait Until 8th") para oferecerem o primeiro smartphone aos seus filhos, retardando o acesso a estes equipamentos até ali por volta dos 14 anos.

 

 E quais as razões apontadas?

 

São nove, todas baseadas em artigos científicos, e que por subscrever inteiramente, aqui resumo e partilho:

 

 

1- Os smartphones estão a descaracterizar a infância

A vivência da infância está a ser desvirtuada pela utilização de smartphones. A brincadeira nas ruas e espaços públicos, o contacto com a natureza, o estabelecimento de laços com vizinhos e o sentimento de pertença a comunidades de rua/bairro/vizinhança, a leitura de um livro ou as saídas em família estão, cada vez mais, a ser substituídas por dias passado sem quartos e espaços indoor,conversas virtuais via chat, jogos de computador, tempo despendido na utilização de redes sociais e endeusamento de yotubers. As profissões que as crianças ambicionam ter estão ancoradas à fama, a validação externa e são medidas por índices de popularidade de likes no facebook e no instagram e números de visualizações no youtube.  A média de horas diária de utilização de smartphones e computadores pelas crianças situa-se entre as 3 horas (em período escolar) e as 7 horas (em período não letivo), sendo cada vez mais difícil arrancá-las de frente de um écran.

 

Artigo aqui.

 

2- Os smartphones causam adição

Estudos científicos comprovam que a dependência de smartphones produzem as mesmas respostas cerebrais que a dependência gerada pelo uso de drogas, álcóol ou pelo vício do jogo/apostas. Os jogos de smartphones e as próprias redes sociais são desenhadas para incentivar a sua utilização prolongada, através da activação de vários estímulos que vão desde os níveis de jogos e desbloqueio de truques nos jogos que fazem as crianças quererem superar cada vez mais níveis para perceber o que vem a seguir tal como nas redes sociais toda a sequência de comentários, likes, interação, artigos sugeridos com base nos algoritmos potenciam uma compulsão para não parar de aceder às mesmas e cair no seu uso por períodos de tempo bastante prolongados.  

 

Artigo aqui.

 

3- Os smartphones constituem uma dispersão em termos académicos

Os primeiro e segundo ciclos de ensino potenciam os alicerces para o sucesso académico futuro das crianças: é nesta fase que se treina a atenção, concentração, memória, saber estar numa sala de aula, gestão de tempo, gestão de tarefas, produtividade, comunicação, trabalho em equipa. Introduzir um estímulo como um smartphone que dispara constantemente sinais que provocam a dispersão destas competências é altamente contra-producente e disruptivo,provocando quebras na produtividade. Estudos académicos sugerem que o rendimento escolar decresce após a posse de um smartphone por parte de uma criança bem como que alunos que frequentam escolas onde o uso de smartphones é proibido têm melhores resultados nos momentos de avaliação. 

 

Artigo aqui.

 

4- Os smartphones causam distúrbios do sono

Pesquisas confirmam que o uso de smartphones e outros aparelhos tecnológicos com écrans afetam a qualidade e a quantidade de sono em crianças e adolescentes. Os adolescentes, inclusive,  passam a ter um sono de maior alerta e vigília e menos profundo na perspetiva de anteciparem a receçao de sms e mensagens nas redes sociais por parte dos seus amigos (chegando a acordar a meio da noite para verificarem os seus telemóveis), o que confere uma falta de rotinas de sono e, consequentemente, uma péssima higiene de sono.  O distúrbio de sono na adolescência está diretamente correlacionado com efeitos negativos na saúde, nomeadamente, com a obesidade, com o enfraquecimento do sistema imunitário e problemas de saúde mental. 

 

Artigos aqui, aqui, aqui, aqui aqui(a título de exemplo)

 

5- Os smartphones prejudicam as relações sociais

A posse de um smartphone iliba muitas crianças de estabelecerem relações sociais em contexto do dia-a-dia e junto das suas redes escolares e comunitárias, oferecendo uma falsa sensação de grande network digital mas que não se traduz, realmente, em relações sociais consistentes e emocionalmente contentoras. O estado "online" gera desatenção e pouco foco nos momentos de interação social,especialmente os familiares, devido ao facto de levarem a que os seus utilizadores verifiquem regularmente os aparelhos. Por outro lado,o facilitismo com que se estabelecem relações online desincentivam as crianças e jovens a investir tempo e energia em relações "cara a cara" em espaços públicos e em contextos sociais "reais". 

 

Artigo aqui.

 

6- Os smartphones aumentam o risco de ansiedade e depressão

As crianças de tenra idade não têm recursos cognitivos nem emocionais para navegar de forma hábil na internet. As aparências alimentadas pelas redes sociais, o culto pela imagem e pela perfeição,a falsa sensação de vidas perfeitas não conseguem ser analisadas de forma crítica pelas crianças e adolescentes, conferindo uma sensação pessoal de desvantagem e de inferioridade quando comparados com o que observam. A comparação social entre as vidas reais e o que se assiste nas redes sociais pode conduzir a défices de auto-conceito e auto-estima, decréscimo na sensação de bem estar e  sentimentos depressivos. 

Por outro lado, o uso abusivo de tecnologia provoca uma constante estimulação cerebral e um aumento exponencial da produção de uma hormona chamada cortisol. O cortisol é uma hormona corticosteróide da família dos esteróides, produzido pela parte superior da glândula supra-renal (no córtex suprarrenal, porção fasciculada ou média) diretamente envolvido na resposta ao stress.  

Quando há  um uso exacerbado de tecnologia,a constante estimulação do cérebro aumenta o cortisol, gerando picos de stress e aumentando a ansiedade. De salientar que a quantidade de cortisol presente no sangue sofre variação nas várias fases do dia, com os níveis mais altos pela manhã e os níveis mais baixos à noite, pois informações sobre o ciclo luz/escuridão são transmitidas da retina para os núcleos supraquiasmáticos no hipotálamo, pelo que a luz artificial de um monitor durante períodos prolongados da noite por parte de adolescentes, tende a dar informação errada ao hipotálamo e a desequilibrar, mais uma vez, a  produção desta hormona.

 

Artigo aqui e aqui. .

 

7- Os smartphones aumentam os níveis de exposição e,consequentemente, o cyber bullying

O Bullying não está, agora, apenas restrito aos recreios e possível de ser controlad opor adultos mais vigilantes.Os bullies ganham terreno nas redes sociais e o anonimato por detrás de um monitor desprotege as vítimas, tornando as as crianças vulneráveis e sem capacidade de resposta de defesa. Os smartphones são as principais ferramentas usadas para o cyberbullying e estima-se que cerca de 43% das crianças americanas tenham sido alvo de cyber bullying com o recurso a smartphones. Destas 43% apenas 1 em cada dez vítimas reporta a situação de abuso a um adulto de referência.

 

Artigos aqui e aqui.

 

8- Os smartphones expôem as crianças a conteúdo sexual

Os smartphones tornaram possível o acesso a pornografia para qualquer utilizador.  Os marketers destas áreas comseguem facilmente encontrar estratégias para atrair para os seus conteúdos um público alvo mais jovem e mais curioso. Um estudo evidenciou que 42% de utilizadores online menores de idade são expostos a pornografia online, e 66% desta amostra referiu que teve acesso aleatório a estes conteúdos em formato de anúncios pop up mesmo apesar de os recusar.

Para além de crianças e jovens terem acesso a visualizar pornografia, muitos deles podem ainda produzi-la através do chamado "sexting", caindo na tentação de se fotografarem ou filmarem imagens explícitas mediante desafios dos pares, pedidos por parte de namorados de escola ou caindo em comunicações não intencionais com alegados predadores sexuais. 

 

Artigo aqui e aqui.

 

9- Pais com profissões tecnológicas e experts em tecnologia são os primeiros a proibirem os próprios filhos de terem smartphones em idades precoces

De acordo com um artigo do New York Times a maioria dos pais com profissões tecnológicas aguardam até aos 14 anos dos  filhos até os autorizarem a ter um smartphone. E mesmo assim, só lhes dão acesso às funções de chamadas e mensagens, permitindo-lhes apenas o acesso a dados a partir dos 16 anos.

Se os líderes de gigantes digitais como a Google ou a Apple retardam este acesso aos próprios filhos, não será a altura de também nós refletirmos sobre este tema? Se os entendidos na matéria protegem os próprios filhos do acesso a todos estes conteúdos, não deveríamos nós fazer o mesmo?

 

Entrevistas e artigos aqui, aqui e aqui.

 

 

 

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