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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

Tudo o que aprendi, num processo de tentativa-erro, com a entrada da minha filha no Jardim de Infância

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1- Não começar a mentalizá-la logo em casa de que vai para o Jardim de Infância.

Avisei logo a mãe para não alimentar o drama. Houve um dia em que ela acordou, abriu os olhos e a minha excelsa esposa lembrou-se de anunciar, com um ar exageradamente feliz: "Booom dia, hoje é dia de escola!". Começou a chorar ainda nos lencóis, fez xixi a chorar, lavou os dentes a chorar, penteou-se a chorar, vestiu-se e calçou-se a chorar, tomou o pequeno almoço a chorar, fez a viagem de carro a chorar e não parou de chorar enquanto estivemos com ela até a entregarmos à educadora.

Deixámos de dar relevo ao assunto "escola" de manhã. Ela acorda e às vezes pergunta-nos: "Hoje vou para a escola?" mas já não nos apanha na curva: "Bom dia, meu amor! Vamos fazer um xixi? Vamos tomar o pequeno almoço? Quais os sapatos que queres levar hoje calçados?" e muitas outras questões e directrizes imediatas preenchem as nossas manhãs, de tal forma que não há grande tempo para intelectualizações de que vamos para a escola. Dar muita importância à ida para a escola dá um peso ao tema que não queremos atribuir-lhe, uma espécie de xarope para a tosse que sabe mal mas que temos que convencer os meninos a tomar, uma espécie de cenoura que sabe mal mas que faz bem aos olhos. Ir para a escola tem que ser encarado como algo natural, como ir para casa da avó brincar, ir às compras ao supermercado. Não é nada de especial ir-se para a escola: é rotina, é normal, é bom. 

 

2- Não ceder a chantagens emocionais

"Mãeee, vou ter saudades tuas!", "Vou sentir a falta do meu papááá!", "Mãe, estou doente e dói-me o branco dos olhos!" e todos as restantes manobras que os pequenos, astutos, dominam tão bem apesar da tenra idade. Houve uma manhã que a Ana teve mesmo febre alta e que não passava. Apontei logo para somatização. Demos-lhe o anti-pirético e a febre não baixava. A Ana nunca tem febre. Ligámos para o pediatra que nos recomendou que não a levássemos para a escola nesse dia e que avaliássemos durante o dia o quadro febril. No dia seguinte, a Ana estava melhor mas percebeu que "estar doente = não ir à escola". A partir daí tentou o argumento umas 342628 vezes, tossiu umas 236 e queixou-se da barriga umas 393 mas sempre só para o teatro. E percebemos, à custa de muita insegurança e medo de estarmos a ser injustos, que não podiamos dar o flanco. A Ana já percebeu que tem que ir para a escola todos os dias. E que só não vai ao fim-de-semana e nos dias em que o corpo dela (e não a voz) acusar doença. Esgotou o argumento.

 

3- Não aproveitar uma fase em que está entretida/distraída para se pirarem

Numa das manhãs (para aí o segundo dia após começarem os dramas) a Ana e outro menino choramingavam e, antes de terem tempo para se despedirem dos pais,  a educadora conduziu-os a um painel na parede com desenhos e ambos se calaram e ficaram ali entretidos a ver aquilo. Os outros pais aproveitaram a deixa e, como não queriam prolongar o choro do filho, deram de frosques. Ainda chamaram por nós mas nós fomos "esquisitinhos" e recusámos a boleia. Quando os garotos procuraram contacto visual com os pais, que julgavam nas suas costas, e o rapazinho percebeu que não se tinha despedido dos pais foi um drama. Chamámos a Ana, demos-lhe o beijo que firma a nossa saída, confirmámos a hora que a iríamos buscar e deixámo-la em lágrimas. Mas não a enganámos e ela não sentiu que a traíamos. Custou? Muito. Mas se educar fosse uma tarefa fácil não era para nós. 

 

4- Não dizer "a mãe/o pai vem já!"

"Mãe, vens já buscar-me?"- perguntava-lhe a Ana amiúde, assim que percebia que era hora de nos virmos embora. Bem que eu via que à mãe lhe apetecia dizer-lhe que sim, que até tínhamos tirado férias e tudo para estarmos de piquete "s.o.s" na primeira semana de escola, que era só ela chamar que nós viríamos. Resistimos sempre. "Não, Ana, nós não vimos já! Vimos buscar-te depois de almoço/ depois da sesta/ quando estiveres a acordar ou à hora do lanche". Dissemos sempre à Ana quando a prevíamos ir buscar e que isso não era "já",  para evitar que a miúda ficasse sempre presa ao conceito subjacente de "já", sempre na expectativa de quando chegaríamos nós.  Às vezes apetecia-me, também a mim, serená-la e dizer-lhe que sim, que vínhamos já. Mas não gostamos de a enganar e não queremos que ela deixe de confiar em nós.

 

5- Não voltar atrás depois da educadora ter feito o acolhimento

A partir do momento em que passamos o "testemunho" é altura de saírmos de cena que o palco já não nos pertence. Depois da Ana estar entregue à educadora está no território da técnica de educação e não na esfera doméstica. Não voltamos atrás, não espreitamos pelo vidro da janela, nem olhamos pelo ombro para nos certificarmos que ficou bem. Mostrar que temos confiança na adulta a quem entregamos os nossos filhos é um passo para lhes passarmos essa sensação de segurança e lhes reduzirmos a ansiedade; nós confiamos sempre nas pessoas em quem os nossos pais confiam. 

 

 

6- Não regredir nas conquistas somadas

Se ela na escola deixou a chucha, já não precisa de sesta, anda menos ao colo, vai ao wc sozinha, limpa o rabinho com autonomia, come, finalmente, de garfa e faca, já não se  senta na cadeirinha de bebé para comer mas numa cadeira normal, passou a comer bróculos e couve-flor ou só bebe água às refeições é importante que mantenhamos esse padrão nas rotinas em casa. Os miúdos crescem e adquirem uma série de competências, mas nós, às vezes num misto de espanto e negação tendemos, inconscientemente, a cristalizar os nossos filhos e a queremos prolongar o mais possível a ideia de que eles são os "nossos bebés". Aproveitemos o balanço da aquisição destas competências e tratemos de as transferir para a vida de casa. Ganhos são ganhos. Não os anulemos. Mesmo que para isso tenhamos que assumir o inegável: eles já não são bebés.   

 

7- Não chorar à frente das crias

Se os nossos pais choram, os olhos ficam marejados ou com a voz trêmula o nosso instinto de filho fica em alerta. O choro está associado pelas crianças a situações adversas: fome, sono, aborrecimento (do ponto de vista dos mais pequenos) ou dor, tristeza, medo (do ponto de vista dos mais velhos). Como entendemos que não queremos passar essa imagem à Ana e contagiá-la, saímos sempre da sala com o sorriso confiante de quem está seguro por a ter entregue àquela pessoa, com a postura de quem está seguro que o dia vai ser, efectivamente, bom, com a certeza de que vai correr bem. Os miúdos têm essa coisa maravilhosa:  para o bem e para o mal são muito permeáveis aos estados de espírito dos pais. Não os desapontemos. 

Nós também choramingámos, não pensem. Mas sempre no carro. ;)

 

8- Não ter medo de negociar com a escola

A maioria das escolas que escolhemos adopta uma linha pedagógica com a qual nos identificamos mas nem sempre encaixa a cem por cento naquilo em que acreditamos ou defendemos na educação dos nossos filhos. Claro que há regras que temos que nos sujeitar: se há uma farda na escola temos todos que a respeitar mesmo que não gostemos do castanho ou se o lanche é pão com iogurte líquido e ela está habituada a comer granola com iogurte caseiro pois que teremos que nos sujeitar ao que a escola decidiu para todos os alunos, uniformemente. 

Mas garanto-vos que se na escola da minha filha a sesta fosse abolida aos 3 anos (que, não por acaso, não é) eu negociaria que ela fosse cumprir a sua hora de descanso junto da sala dos mais pequenos, por exemplo, Porque ela precisa, porque é uma necessidade biológica, porque me faz sentido como pai que assim seja, tendo em conta o perfil dela. 

Tenho a certeza que as escolas estão mais receptivas para atender as necessidades das crianças que os pais julgam. E acredito, acima de tudo, que o interesse superior da criança é o interesse dos pais e das escolas. De ambos. E que com diálogo tudo é possível. 

 

9- Estar atento aos comportamentos dos nossos filhos

No ano passado a Ana teve que mudar de sala. Inicialmente, por ter muita maturidade ao nível da linguagem e da expressão das emoções, foi para uma sala de meninos mais crescidos. E embora eu defenda, acerrimamente, as salas de composição heterogénea, a heterogeneidade desta sala era relativa e a Ana era a única menina de três anos na turma. Claro que era mimada, gostada e cuidada, uma espécie de mascote. Mas para além de usufruir de um estatuto "especial" que não queríamos perpetuar (já o tem na família alargada por ser a única criança desde há 25 anos), a Ana não tinha maturidade relacional e emocional para só brincar com meninos de 4 e 5 anos, com outros interesses, noutras fases que não a do jogo simbólico onde ela acabara de chegar, e estava infeliz. Não contava aventuras da escola, não sabia de cor o nome da maioria dos colegas por quem mostrava alguma indiferença e começou a somatizar. Foi duro. 

Sentimos que falhámos na nossa escolha, que falhámos na nossa capacidade de análise, que errámos. Hoje não pensamos assim. Ainda fomos a tempo. Mudámos de sala e a Ana passou a sentir-se feliz. Canta canções que aprendeu na escola sempre que viajamos de carro. Quer ser a educadora nos jogos simbólicos. Fala-nos da Isabel, da Caetana, da Benedita, da Ana Maria e da Margarida com entusiasmo. Reclama do Zé Maria e do Simão. Vive a escola. 

Mais do que lhes perguntar como correu o dia (nesta fase eles não têm grande capacidade de análise) é perceber se eles trazem a escola para casa. E se não trouxerem, é importante reflectir e procurar a mudança. Mudar não é errado. Importa é acertar. Mesmo que não seja à primeira.

 

10- Confiar. 

Se escolhemos aquela escola temos para isso razões subjacentes. Então é ter fé na nossa capacidade de análise, de tomada de decisão e não vacilar. Confiar que tudo vai correr bem como uma espécie de profecia. 

Confiemos, então. 

 

 

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