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Em nome do Pai

Paternidade na ótica do utilizador.

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Paternidade na ótica do utilizador.

We agree to disagree# 4 Baptizar ou não a criança?

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A minha família é católica praticante e fui educado de acordo com os dogmas, valores e ritos do Catolicismo. Sou açoriano e na minha ilha- como, aliás, em todas as dos Açores- há uma forte religiosidade vigente.

Fui baptizado com dois ou três meses (tal como o meu irmão), frequentámos catequese, fiz comunhão solene, crisma, fui acólito, cantei no coro da minha igreja vários anos, sou escuteiro católico, casei pela igreja católica, um dos meus melhores amigos de infância é hoje pároco na igreja matriz da Horta e, mesmo após a minha mudança definitiva para o continente, continuei a frequentar a igreja e todos os seus rituais. Mais importante de tudo, sou um homem de fé e acredito em Deus. 
Quando engravidámos a questão veio à tona: "vamos baptizar a miúda?" e eu fiquei tão chocado com a questão- para mim era uma certeza absoluta- que este passou a ser um assunto daqueles de grande reflexão familiar. Como poderíamos sequer equacionar não trazer a Ana para esta festa de fé e comunhão? Como poderia não a educar com base nos meus valores mais profundos e absolutos que fui beber à igreja católica? E- já no limite- qual o prejuízo em introduzir a Ana no Catolicismo, salvaguardando que,quando tiver livre arbítrio e maturidade,pode reafirmar a escolha feita pelos pais ou seguir outro caminho de fé como qual de identifique?
O argumento de "ela escolhe quando for grande" para mim não era válido quando nós escolhemos que ela se tornasse carnívora e não vegetariana, que usasse fraldas descartáveis em vez de reutilizáveis, que frequentasse uma determinada escola com uma corrente de estudo e não outra qualquer e, todos os dias, fazemos escolhas que, de uma forma ou outra, afectarão a sua personalidade, gostos ou interesses. Para mim o baptismo era uma não questão e um caminho óbvio. O meu dia-a-dia segue rituais católicos (oro todos os dias,por exemplo; na casa dos meus pais oramos antes decada refeição, vou todos os domingos à celebração da eucaristia), logo, faz-me sentido que a Ana me acompanhe neste caminho, que é para mim não só uma herança dos meus pais masuma escolha reafirmada. 
 

Na minha casa fomos educados pela religião católica mas com muita flexibilidade. Sou baptizada, fiz a primeira comunhão, frequentei catequese e desisti dela, não cheguei a fazer a comunhão solene nem o crisma mas, quando chegou a altura, e por insistência do meu marido, o casamento católico fez parte do nosso percurso. Pelo caminho eu deixei de frequentar a igreja e todos os rituais católicos inerentes e adoptei aquele epílogo cobarde e confortável do "católica não praticante". O meu marido fica furioso quando eu digo isso porque acredita que o catolicismo é uma essência e não uma prática, corrigindo-me sempre que eu sou católica praticante (pratico os valores do bem inerentes à religião) só não cumpro os rituais. 

A religião nunca foi tema de conversa entre nós. Ele gosta de ir à missa como forma de desentorpecer a mente. Eu tenho os meus próprios escapes. Ao domingo eu gosto de dormir até mais tarde, ele gosta de celebrar Deus com o ritual da missa. Com fés, crenças, necessidades individuais do outro, nenhum de nós interfere. Acreditamos no mesmo Deus mas temos comportamentos distintos na nossa relação com ele. 

Obviamente que a educação religiosa da filha que temos em comum foi alvo de discussão.

Ambos queremos transmitir os valores-base que a nossa religião proclama e que são comuns à maioria das religiões: o amor, o respeito pelo próximo, a bondade, a empatia, a solidariedade, o bem. Sei bem que a transmissão desses valores não tem que vir embrulhada num contexto religioso mas, sei lá, é como se a religião fosse uma cábula com os tópicos essenciais para revermos e não nos esquecermos, uma espécie de guia Michelin espiritual for dummies. No entanto, penso que estes valores são transmitidos diariamente na educação,pelo que, não tinha a certeza de que a quereria baptizar em bebé. Pensei que poderíamos esperar até ela ser um bocadinho maior e decidir por si mesma se queria professar desta fé, com todos os direitos e deveres que a mesma comporta. 

 

O meio termo entre o rigor católico do pai e a descontracção religiosa da mãe resulta numa educação religiosa sem perder a capacidade de questionamento, o sentido crítico mas sempre com os olhos postos na magia da crença e da fé. E esse caminho iniciou-se ao nascimento mas foi confirmado por ambos os pais, junto da família e amigos, numa cerimónia de baptismo. 

Assim sendo, a Ana é uma criança católica.  Frequenta uma escola católica e, no próximo ano, iniciará a catequese. Quando crescer, a Ana terá livre-arbítrio para decidir se esta religião que escolhemos lhe cabe e lhe assenta bem. Enquanto isso, eu partilharei  com ela a crença, os rituais, as manifestações de amor a este Deus. A mãe, que não tem hábitos de manifestação religiosos semelhantes aos meus, apoia a Ana na exploração da sua fé, no questionamento, na busca de respostas e, essencialmente, no exercício diário dos valores que estão na base desta decisão pela prática da religião.

Quando crescer, a Ana terá estas ferramentas para alimentar a sua sede espiritual. Poderá usá-las, pô-las de parte, procurar outras, dispensar qualquer religião. Mas as bases ficarão lá. E as bases são, essencialmente, as de qualquer religião: amor, caridade, compaixão e respeito pelo próximo. Bases estas que assentam, concertando os dogmas e as práticas religiosas do pai ou da mãe, na fé. Numa fé que mal não lhe faz. A meu ver, antes pelo contrário.